Incêndios devastam destinos turísticos no país. Veja quais
Chapada dos Guimarães e dos Veadeiros são apenas dois dos parques consumidos pelo fogo. Várias atrações pelo Brasil foram fechadas
atualizado
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Muita fumaça, parques fechados, animais mortos e dificuldade para respirar. É assim que Alinne Assunção, coordenadora administrativa da associação de guias da Chapada dos Guimarães, define o cenário em uma das regiões mais procuradas para o ecoturismo no país.
Desde o início de agosto, quando as queimadas na região do Cerrado se intensificaram, diversos passeios foram cancelados e as paisagens mudaram completamente. “Tivemos uma diminuição de 80% na procura em relação aos atrativos. As queimadas prejudicam os passeios, tanto pelo cenário quanto pelo ambiente que fica super insalubre”, destaca Assunção.
Segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que administra o Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, algumas unidades permanecem total ou parcialmente fechadas. O órgão informou ainda que foram registrados 36.290 hectares de áreas queimadas em todo o município da Chapada dos Guimarães (MT), sendo 3.807 na região de proteção ambiental.
Por causa do fogo intenso, muitas áreas que eram exploradas por turistas em várias regiões do Brasil foram interditadas e seguem previsão de reabertura. Uma delas é a Floresta Nacional de Brasília, onde as chamas já consumiram 700 hectares da área de proteção ambiental e ameaçam agora casas nas proximidades do parque.
Outras regiões turísticas prejudicadas
Desde o início do mês, o fogo também atinge o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, reconhecido Patrimônio Mundial Natural da Unesco. O ICMBio comunicou que, até o momento, a área queimada dentro do parque é estimada em 8 mil hectares, e a extensão total, incluindo o entorno, alcança cerca de 10 mil hectares. Embora a região ainda esteja sofrendo com alguns focos de incêndio, a parte turística segue aberta à visitação.
O problema não se limita somente à região Centro-Oeste. Destinos turísticos no Sudeste também já sofrem com os impactos das secas e queimadas.
Em São Paulo, alguns parques precisaram ser fechados para garantir a segurança dos turistas. Segundo a Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística de São Paulo (Semil), 81 unidades de conservação localizadas na região metropolitana e interior do estado estão fechadas desde o início de setembro. A pasta informou ainda que somente os parques estaduais Campos do Jordão e Cantareira estão parcialmente abertos para visitação.
Incêndios florestais também forçaram o fechamento de todos os parques estaduais do Rio de Janeiro, no último sábado (14/09). A medida, que abrange 40 unidades de conservação, incluindo o Parque Estadual da Serra da Concórdia e os Monumentos Naturais Serra da Beleza e Serra da Maria Comprida, visa proteger a região e os visitantes durante o período de estiagem.
Em Minas Gerais, a água das cachoeiras de Bom Despacho, em Santa Cruz de Minas, desapareceu. Sem chuva há mais de três meses, a região entre São João Del Rei e Tiradentes, importantes pontos turísticos de Minas Gerais, enfrenta uma seca preocupante. Já o Parque Nacional da Serra Canastra sofreu com queimadas no início do mês. Os incêndios no local já foram controlados.
Queimadas fora do comum e crise climática
As queimadas que devastam diversos pontos turísticos brasileiros são impulsionadas pela seca histórica que atinge o país. No entanto, em muitos casos, o início do fogo tem sido provocado de forma criminosa, segundo especialistas ouvidos pela reportagem.
A destruição das paisagens naturais, como cachoeiras e trilhas, compromete o potencial turístico dessas regiões, além de afetar a infraestrutura local, incluindo pousadas e restaurantes. De acordo com um estudo do Sebrae Nacional, realizado em parceria com o Ministério do Turismo, o ecoturismo representa 60% da receita do setor turístico brasileiro.
“Os turistas, em geral, querem visitar lugares bonitos, agradáveis e com boa infraestrutura. Quando os destinos sofrem com enchentes, temporais, poluição das águas, incêndios e outros, isso afeta diretamente as atividades ligadas ao turismo”, enfatiza Marcela do Nascimento Padilha, doutora em Geografia e professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
Marcello Tomé, coordenador do Programa de Pós-graduação em Turismo da Universidade Federal Fluminense (UFF), alerta que os incêndios não só modificam a “beleza cênica”, como também representam perigo à saúde, com a emissão de fumaça e gases tóxicos e o risco de queimaduras ou até morte. “As queimadas podem impedir o acesso e o aproveitamento dos atrativos turísticos, além de causar prejuízos significativos às comunidades locais”, acrescenta.
Pedro Côrtes, professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP), destaca o papel das condições climáticas extremas no agravamento dos incêndios. Segundo ele, o aumento das temperaturas e a falta de umidade tornam a vegetação mais vulnerável ao fogo, e muitos dos incêndios que se alastram em biomas como o Pantanal e o Cerrado têm origem criminosa.
“Embora o fogo faça parte de um processo natural de renovação em alguns biomas, o que vemos hoje é uma situação fora de controle, alimentada por fatores humanos e ambientais”, explica Côrtes.
A crise climática também afeta os recursos hídricos dessas regiões. Côrtes explica que a falta de chuvas reduz o volume de água em rios e cachoeiras, essenciais para a atração de turistas.
Mudança na rotina e impacto nas atividades
Trabalhando com o turismo na Chapada dos Guimarães há 12 anos, a publicitária Fernanda Lemes atua com o marido em uma agência de ecoturismo e em um hostel na região. Desde o início dos incêndios, ela conta que as paisagens mudaram completamente e que o impacto nas atrações tem sido bem grande. “Os mirantes estão todos queimados e há animais mortos. É bem triste o que está acontecendo”, diz.
Por causa do agravamento das queimadas, Lemes diz que muitos clientes desistiram dos passeios e, muitas vezes, pedem a devolução do dinheiro. Como alternativa, são oferecidas remarcações ou passeios para municípios próximos, como Nobres e Jaciara, também no Mato Grosso.
Ela ainda não sabe mensurar o prejuízo financeiro, mas acredita que será alto. Para Lemes, a alternativa mais viável nesse momento é pedir para os clientes adiarem a visita. “Tentamos evitar o cancelamento, porque cancelar impacta na reserva da pousada, impacta na reserva do atrativo, no restaurante. A Chapada é uma cidade que vive disso”, ressalta.
Assunção também reforça o impacto da falta de turistas no local. Como muitos guias trabalham de forma independente, ela conta que a renda de cada um está sendo bem afetada e teme uma piora ainda maior no setor.
Ela ainda acrescenta que, devido às queimadas, a qualidade do ar está muito ruim, prejudicando a respiração e, consequentemente, a rotina de trabalho. “Cerca de 98% dos nossos profissionais de turismo são autônomos, então eles dependem da boa saúde para poder trabalhar. Essas pessoas passam por dificuldades terríveis”, diz.
Recuperação na prática
Para mitigar os impactos das queimadas e secas nos destinos turísticos, a recuperação precisa ser completa. Isso envolve tanto o suporte às famílias afetadas quanto a restauração dos ecossistemas danificados, destaca Tomé.
O especialista da UFF ressalta que, além de investimentos em infraestrutura e recuperação das áreas, é fundamental promover os destinos de maneira sustentável. Ele reforça que melhorias no combate a incêndios, tanto em termos de equipamentos quanto de pessoal, são necessárias para enfrentar novos focos de queimadas, que vêm ocorrendo com frequência alarmante.
A promoção dos destinos, após a recuperação, também é uma etapa importante para resgatar a atratividade das áreas turísticas que sofreram com os incêndios. Côrtes acrescenta que a solução para as queimadas passa por um esforço coletivo que envolve a população e os governos.
Além das ações de combate, a responsabilidade pelos incêndios precisa ser investigada e os causadores, punidos. “É necessário que as polícias estaduais e a federal conduzam investigações para responsabilizar os grupos ou indivíduos que iniciaram esses incêndios, o que pode desestimular novos crimes ambientais no futuro”, conclui Côrtes.
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