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Incêndio no Museu Nacional ameaça pesquisas geológicas e na Antártica

Espaço guardava preciosidades científicas relevantes e exclusivas. Parte do acervo ainda pode estar sob as cinzas

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Museu Nacional do Rio de Janeiro
1 de 1 Museu Nacional do Rio de Janeiro - Foto: Alexandre Macieira/ Riotur

“É como se tivessem morrido seu pai, sua mãe e seus filhos, todos juntos, em um desastre”, afirma o geólogo João Vagner de Alencar Castro, que trabalha há 17 anos no Museu Nacional, com a voz embargada, tentando explicar o que sentiu quando viu o Laboratório de Geologia e Sedimentos Marinhos completamente destruído pelo incêndio que varreu a instituição na noite de domingo (2/9). “Parecia que o laboratório tinha sido bombardeado. Não sobrou nada, nossa perda foi de 100%.”

O laboratório guardava duas preciosidades científicas que certamente se perderam, segundo Castro. O mais importante deles é um fóssil de baleia encontrado a 15 quilômetros da costa de Cabo Frio, revelando o alcance do mar no passado. “Esse fóssil é essencial para estudarmos as variações no nível do mar no passado e também fazer projeções para o futuro”, explicou.

Uma outra amostra preciosa, segundo Castro, era de cinco litros de petróleo retirado do primeiro poço petrolífero escavado no Brasil, em Lobato, no interior da Bahia. “Perdemos a nossa amostra número um de petróleo”, explicou. “Do ponto de vista histórico era uma amostra única, preciosa para todo o setor.”

Além disso, o laboratório possuía amostras de sedimentos de praias do mundo todo, com destaque para Islândia, Antártica, África, entre muitas outras. “São 17 anos de pesquisas perdidas”, afirmou Castro. “É uma perda inestimável para a geologia marinha e costeira.” As amostras eram usadas por alunos do mestrado, do doutorado e da iniciação científica do Brasil e também do exterior. Trabalhos que estavam nos computadores também foram destruídos porque o laboratório ficava no térreo e os três andares do prédio desabaram por cima dele.

Segundo Castro, toda a pesquisa terá que ser recomeçada do zero. “É muito difícil,mas não é impossível. Não vamos desistir. Esta semana é de luto, mas a partir da próxima segunda, vamos arregaçar as mangas e voltar ao trabalho.”

Pesquisas na Antártica
Uma das mais importantes e exclusivas pesquisas desenvolvidas no Museu Nacional/UFRJ — e que pode estar completamente perdida — é sobre a pré-história da Antártica. Há dez anos, um grupo de paleontólogos da instituição fazia visitas periódicas ao continente gelado em busca de fósseis. E as incursões foram bem sucedidas. Entre as peças mais importantes achadas estava um fragmento de fóssil de pleisiossauro, um monstro marinho que viveu há 80 milhões de anos, além de troncos de árvores pré-históricas.

“Uma parte da última coleta que fizemos na Antártica, no ano passado, estava no laboratório de preparação de fósseis, que fica no prédio anexo e não foi atingido”, contou a paleontóloga Juliana Sayão, que coordenou as últimas três expedições à Antártica e passou a madrugada de segunda-feira, 3, praticamente em claro, vendo o museu arder em chamas. “Mas fora isso, tudo indica que perdemos boa parte do material, dez anos de pesquisa. Não tenho palavras.”

A pesquisa de fósseis pré-históricos na Antártica é especialmente complexa por conta das condições climáticas. “Só para chegar na Antártica já é uma dificuldade enorme, poucos grupos no mundo inteiro escavam lá, que é uma área muito rica em fósseis”, explicou a pesquisadora. “O material que nosso grupo coletou lá durante esses anos serviria de base não apenas para as nossas pesquisas, mas também de outros países sobre como era a Antártica no passado.”

Na primeira parte do projeto Paleoantar, a equipe do paleontólogo Alexander Kellner, atual diretor do museu, passou 37 dias acampada na ilha de James Ross. Embora a ilha fique na Península Antártica, ela é bem distante da ilha Rei George, onde ficava a Estação Brasileira que pegou fogo em 2014. Por isso, a logística da expedição era ainda mais complexa, uma vez que os pesquisadores tinham que ficar acampados. Ainda assim, o grupo conseguiu escavar nada menos que uma tonelada e meia de troncos de árvores pré-históricas – um deles com mais de quatro metros de comprimento, que estava em exibição no Museu Nacional. Numa das últimas incursões ao continente, o grupo levou mais de sete toneladas de equipamentos e mantimentos para ficar acampado durante 45 dias.

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Centenas de bombeiros foram deslocados para tentar controlar as chamas
Colunas de fumaça e fogo eram vistas a distância
O ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, ressaltou que é uma “negligência absurda” o ocorrido em 2 de setembro
Questionado sobre a responsabilidade do Ministério na Cultura, Leitão explicou que o órgão fez um levantamento de tudo o que era necessário para a revitalização do espaço
Representantes do museu destacaram que a tragédia serve de alerta para que outras não ocorram
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Intensa fumaça pôde ser vista em todo o complexo do Museu Nacional do Rio de Janeiro

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Centenas de bombeiros foram deslocados para tentar controlar as chamas

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Colunas de fumaça e fogo eram vistas a distância

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O ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, ressaltou que é uma “negligência absurda” o ocorrido em 2 de setembro

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Questionado sobre a responsabilidade do Ministério na Cultura, Leitão explicou que o órgão fez um levantamento de tudo o que era necessário para a revitalização do espaço

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Representantes do museu destacaram que a tragédia serve de alerta para que outras não ocorram

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Um dos elementos mais valiosos é o mais antigo fóssil humano encontrado no país, batizado de Luzia, parte da coleção Antropologia Biológica

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Patrimônio perdido é incalculável

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As pesquisas brasileiras na Antártica foram cruciais para revelar que, sob a camada de, em média, três quilômetros de gelo que recobre o continente, estão preservadas as provas fósseis de que, no passado, a região já abrigou uma floresta tropical frondosa e animais gigantescos. “Por conta das pesquisas, a gente sabe que a Antártica não era coberta de gelo como é hoje, pelo contrário, era uma vasta floresta tropical”, explicou Juliana. “E era banhada por um mar de extrema riqueza de animais.” Além disso, segundo a pesquisadora, os estudos ajudaram a estabelecer em que a Antártica se separou da América do Sul e a entender as mudanças climáticas em curso hoje no planeta.

Durante boa parte do Cretáceo (144 a 65 milhões de anos atrás), e até há 50 milhões de anos, um clima bem ameno predominou na Antártica e favoreceu o crescimento de grandes árvores, com folhas de até 10 centímetros, e portanto, de animais, entre eles dinossauros e répteis igualmente grandes, e, posteriormente, mamíferos marsupiais. Atualmente, a média de temperatura registrada no verão é de 35 graus Celsius negativos no continente e 0 grau Celsius na península, o que torna a região praticamente inabitável.

No passado, no entanto, não era assim. A Antártica era unida aos demais continentes, na chamada Gondwana, e, por isso, seu clima era temperado. A separação só se configurou há 32 milhões de anos, quando a corrente fria que se dispersava pelo Oceano Pacífico passou a circundar a Antártica, isolando-a e resfriando-a.

No entanto, durante boa parte de sua existência, o continente era verde e cheio de espécies animais. As últimas árvores só desapareceram há 4,5 milhões de anos. O continente era habitado por dinossauros e outros animais gigantescos. No mar, viviam verdadeiros monstros marinhos, como ictiossauros, plesiossauros e mosassauros.

Os plesiossauros eram répteis gigantes e carnívoros de pescoço longo chegavam a ter, em média, 5 metros de comprimento. O mais antigo fóssil de plesiossauro já achado na Antártica foi descoberto pelo grupo de Kellner; tem 80 milhões de anos. “Perdemos não apenas o material fóssil em si, mas o conhecimento de uma região sobre a qual ainda se sabe muito pouco.”

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