Evento do Ministério da Justiça debate cobertura da mídia sobre feminicídio
A diretora-executiva do Metrópoles, Lilian Tahan, apresentou o projeto editorial Elas por Elas, que já obteve reconhecimento internacional
atualizado
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A abordagem midiática em reportagens de crimes de violência contra a mulher, especialmente crimes sexuais e de feminicídio, foi tema de uma mesa redonda promovida pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). A abertura do evento contou com a participação do secretário Nacional de Segurança Pública, Renato Paim. A iniciativa marca o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher, lembrado em 25 de novembro.
Jornalistas, representantes da pasta e profissionais da segurança pública estiveram presentes para refletir sobre a abordagem de casos de violência contra a mulher na mídia. O Metrópoles foi representado por Lilian Tahan, diretora-executiva do portal e idealizadora do projeto Elas por Elas, iniciativa que contou a história das vítimas de feminicídios no DF em 2019.
O secretário Nacional de Segurança Pública, Renato Paim, frisou que é importante que as políticas públicas de proteção à mulher partam de uma visão mais abrangente. “Temos que enxergar além do fato em si. É necessário, inclusive, trabalhar para que os homens tenham a exata compreensão da violência que praticam, para que comportamentos abusivos e violentos não sejam repetidos.”
O delegado de polícia Cláudio Álvares Sant’Anna, da Delegacia Especializada de Defesa da Mulher, Criança e Idoso de Várzea Grande (DEMCI/VG-MT), destacou que embora o Brasil tenha a Lei Maria da Penha, considerada uma das mais avançadas do mundo, ainda é o quinto país onde mais se mata mulheres no planeta.
“O Estado patriarcal no qual vivemos, em que temos arraigada a cultura do machismo, é algo que temos de lutar contra. Precisamos analisar onde estamos errando, o que temos que mudar e qual é o nosso papel nessa mudança”, afirmou.
Para o delegado, a mídia é uma parceira na evolução desse entrave cultural. “A imprensa tem o papel de trazer a história por trás dos números. A vítima era uma mulher que tinha família, amigos e, muitas vezes, era mãe”, pontuou Cláudio Sant’Anna.
A dificuldade na coleta de dados é um dos desafios para a elaboração de políticas públicas e medidas preventivas, de acordo com Daniele Alcântara, coordenadora de Políticas de Prevenção de Crimes Contra a Mulher e Grupos Vulneráveis.
Atualmente, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública e o Atlas da Violência compilam e analisam dados de registros policiais sobre criminalidade, inclusive de violência contra mulheres. O problema, segundo Daniele, é a articulação dos estados para o envio das informações. “A Segurança Pública também precisa treinar os profissionais que fazem o atendimento à mulher, desde o registro da ocorrência até a condução do caso ao Judiciário.”
Elas por Elas
No evento, Lilian Tahan, diretora-executiva do Metrópoles, apresentou o projeto editorial Elas por Elas, que foi inteiramente escrito, editado, fotografado e ilustrado por mulheres. Entre os 16.954 casos de violência contra a mulher registrados no Distrito Federal em 2019, 33 foram feminicídios.
A iniciativa já recebeu três prêmios: Troféu Mulher Imprensa, Ñh – Lo Mejor del Diseño Periodístico e Prêmio Roche de Jornalismo em Saúde, organizado pela Fundação Gabo, instituição criada pelo escritor Gabriel García Márquez.
Muito além da visão fria dos fatos, Lilian Tahan destacou que a iniciativa buscou especialistas e se apoiou em dados que pudessem contextualizar os episódios de violência e morte. “Entendendo o contexto de vida dessas mulheres, a partir de uma investigação profunda, conseguimos tirar uma série de conclusões que nos ajudaram a compreender o problema.”
Segundo Lilian, as reportagens confirmaram que, na maior parte das vezes, as mulheres são agredidas por seus próprios companheiros. “É uma desgraça familiar: as crianças perdem a mãe e o pai de uma vez só”, lamentou. Em 2019, 73 crianças ficaram órfãs no DF, segundo a jornalista.
As matérias mostraram, ainda, que não há um perfil perfeitamente estabelecido para as mulheres agredidas. “Detectamos que a vítima mais nova tinha 20 anos e a mais velha, 69. Isso mostra que não há como retratar um alvo. Basta ser mulher.” Não há, também, recorte de classe social. “Várias mulheres morreram no Entorno do DF, mas muitas outras no coração da capital da República, todas barbaramente assassinadas.”
Sensibilidade
A analista política da CNN Basília Rodrigues foi uma das jornalistas convidadas a participar do evento e do projeto Elas por Elas. Basília contou a história de Luana Bezerra, assassinada a facadas pelo marido enquanto ainda estava grávida. “Muitas vezes, nós, jornalistas, chegamos ao local do crime antes das autoridades policiais ou da família. Essa cobertura exige muita sensibilidade, porque nossas reportagens acabam virando não só um registro factual, mas, até, um material didático sobre o assunto”, lembrou.
Também convidada para o encontro, a jornalista Tatiana Schibuola, diretora de marcas do Uol, destacou a iniciativa da plataforma Universa de criar um manual de boas práticas jornalísticas para os temas de violência contra a mulher. “Quando se trata de um grande volume de informações, é necessário ter balizadores para uma cobertura que, de fato, promova a transformação”, afirmou.