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Ibama ignora parecer técnico e segue com licença na Foz do Amazonas

Analistas ambientais recomendam negar e arquivar pedido de licença da Petrobras para explorar petróleo na região, instituto mantém processo

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Um parecer técnico assinado por 26 analistas ambientais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) recomendou, pela segunda vez, o indeferimento e o arquivamento do pedido de licença da Petrobras para perfurar um bloco de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas. Mesmo assim, a presidência do instituto deu prosseguimento ao processo, solicitando novas informações à petroleira.

O parecer técnico trata do pedido de licenciamento para perfuração marítima no chamado Bloco FZA-M-59. Embora esteja situado no oceano Atlântico, a aproximadamente 170 km do Amapá e a 560 km da foz do rio Amazonas, a Petrobras precisa comprovar a inexistência de impactos socioambientais ou mostrar seu planejamento para mitigar um acidente, como, por exemplo, vazamento de petróleo. O documento, divulgado inicialmente pela Folha de S.Paulo, foi obtido pela reportagem da DW.

Os técnicos do Ibama destacaram inconsistências no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e nas respostas dadas a questionamentos solicitados, como nos impactos sobre populações indígenas e na biodiversidade local. Mesmo com o parecer, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, deu continuidade ao processo, encaminhando ofício à Petrobras, para que ela esclareça as informações.

“Não é ilegal”, avaliou Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima e presidente do Ibama entre 2016 e 2018. “No entanto, o parecer está muito bem elaborado e mostra que, após várias chances, as respostas da Petrobras às contestações são insuficientes. O órgão vai estender até quando o pedido de complementações? Para mim está muito claro que seria melhor rejeitar e arquivar o processo.”

Um recado dos técnicos

O Bloco FZA-M-59 está localizado na Bacia da Foz do Amazonas, uma faixa no território marítimo entre os estados do Amapá e Pará. O processo de licenciamento teve início em 2014. Após uma série de pedidos de informação por parte do Ibama, em 2023 um parecer técnico assinado por dez analistas ambientais recomendou o indeferimento da licença e o arquivamento do caso. Mas o processo continuou.

Agora, o novo parecer tomou a mesma decisão, com a assinatura de 26 servidores. “São muitos analistas. Não são comuns pareceres deste tipo. Tem um recado da equipe técnica importante. Eles estão dizendo que estão unidos nesta posição”, analisou Araújo.

O tema tem gerado controvérsias, ainda mais em momento de eventos extremos causados pelas mudanças climáticas, onde a indústria do petróleo é uma das maiores responsáveis pela emissão dos gases de efeito estufa. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a defender a exploração na chamada margem equatorial, área que vai do Rio Grande do Norte ao Amapá, onde está localizado o Bloco FZA-M-59.

A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, tem dado declarações de que respeitará a análise do Ibama. “Vou repetir à exaustão: o Ibama não facilita e nem dificulta, e o Ministério do Meio Ambiente respeita, do ponto de vista técnico, aquilo que são os procedimentos devidamente instruídos com base na boa gestão pública”, disse durante uma audiência pública em agosto de 2023.

O Ibama, em texto publicado no seu portal, disse que o parecer “reconheceu a significativa redução dos tempos de resposta e atendimento à fauna na documentação apresentada pela Petrobras”.

“Apesar do avanço dos estudos apresentados pela empresa, os técnicos do Instituto solicitaram mais detalhamentos pontuais para a adequação integral do plano ao Manual de Boas Práticas de Manejo de Fauna Atingida por Óleo, como a presença de veterinários nas embarcações e quantitativo de helicópteros para atendimento de emergências”, afirma o texto.

A Petrobras considera que houve um importante avanço no processo de licenciamento. “Remanesce pedido de detalhamentos do Plano de Proteção à Fauna e da nova base de Fauna do Oiapoque. A equipe técnica da Petrobras está detalhando cada questionamento para responder ao Ibama. A Petrobras está otimista e segue trabalhando na construção da nova unidade de fauna no Oiapoque, com o entendimento que é possível realizar a APO para a obtenção da licença para a perfuração em águas profundas no Amapá.”

Animais e indígenas

O parecer dos analistas ambientais destacou inconsistências nas informações da Petrobras. Uma delas diz respeito às consequências de um acidente Tier 1, termo usado na indústria de petróleo e gás para descrever incidentes significativos. “[…] não foram apresentadas as empresas responsáveis pelo atendimento da fauna no caso de um acidente Tier 1, tampouco foram detalhadas as equipes que seriam acionadas em cada possibilidade de frente de atendimento”, destacou o parecer.

Quanto ao Plano de Proteção à Fauna (PPAF) da Petrobras, o documento aponta que não foi apresentada alternativa viável que mitigue, satisfatoriamente, a perda de biodiversidade, no caso de um acidente com vazamento de óleo.

“Esta condição é especialmente crítica tendo em vista a expressiva biodiversidade marinha e a alta sensibilidade ambiental dos ecossistemas que viriam a ser impactados. Desta forma, não foram identificados, nos documentos analisados, elementos suficientes que permitissem a revisão da sugestão de indeferimento da licença ambiental e do arquivamento deste processo de licenciamento ambiental”, escreveram.

Sobre os indígenas, o parecer diz que a Petrobras não levou em conta alguns impactos, como o uso de aeronaves. Também “constatou-se que a empresa adotou uma conduta com o resultado de ampliar a geração de expectativa e potencializar conflitos no território impactado, valendo-se, inclusive, de declarações controversas para argumentar em prol de seu interesse”.

Na análise da coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, o licenciamento do bloco pode representar a abertura de uma fronteira para exploração de petróleo na região. “Eu acho que essa pressão toda pela licença do bloco 59 é uma espécie de tentativa de abertura de porteira para simplificar os futuros licenciamentos na Margem Equatorial. Tornaram o bloco 59 como um símbolo. É a porteira que vai ser aberta.”

Leia mais reportagens como essa no DW, parceiro do Metrópoles.

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