Huck: “Se as oportunidades não são iguais, não existe meritocracia”
O apresentador global palestrou no Brazil Conference e criticou, sem dizer o nome, o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez
atualizado
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Boston (EUA) – O apresentador de TV Luciano Huck fez o discurso de abertura da Brazil Conference, em Boston, nos Estados Unidos, com um tom fortemente político, em que abordou a necessidade de reduzir as desigualdades no Brasil e de o Estado investir em políticas públicas para correção dessas desigualdades. Sem citar nomes, Huck fez críticas ao ministro da Educação, Ricardo Vélez, e à proposta de facilitar o acesso da população às armas, ideia defendida pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) e pela chamada bancada da bala no Congresso.
A Brazil Conference é organizada por estudantes brasileiros do Massachussets Institute of Technology (MIT) e da universidade de Harvard. É um fórum de discussões sobre o Brasil, realizado anualmente desde 2015. Neste ano, a BC tem a participação de 900 pessoas, sendo mais de 500 estudantes. Luciano Huck abriu a conferência e entrevistou 10 estudantes que vieram do Brasil como convidados para contar experiências de vida no painel Histórias Transformadoras.
Huck disse que nos últimos anos tem viajado muito pelo Brasil e que isso o faz pensar em como contribuir para transformar a vida das pessoas. “Seria muito mais confortável pra mim ficar nos muros do Projac [estúdios da Rede Globo, no Rio de Janeiro], mas não é o que vou fazer. Quero ser um cidadão mais ativo. Incrível como a nossa elite é passiva. Daqui a 20 anos, quero olhar para trás e ter a certeza que ajudei a construir um país melhor”, disse o apresentador, que chegou a ser cotado para lançar uma candidatura a presidente, no período de pré-campanha, no ano passado. O Metrópoles perguntou a Huck sobre uma possível candidatura a cargo eletivo nos próximos anos (veja o que ele falou, com exclusividade, ao final desta matéria).
Ao citar muitas estatísticas e mostrar vídeos dos lugares que tem visitado, Huck disse que as maiores preocupações são a educação e a redução das desigualdades. Foi aí que criticou o atual ministro da Educação, Ricardo Vélez, sem o citar nominalmente. “As soluções para a educação estão na mesa. E são exatamente o contrário do que o ministro está fazendo”, afirmou. “Sentar na sala de aula não significa que o aluno está aprendendo. Educação tem que ser nossa prioridade número um. Se não, a gente vai continuar enxugando gelo. Enquanto as oportunidades não forem iguais para todos, não existe meritocracia”, afirmou.
Ao entrevistar os estudantes brasileiros convidados, alguns oriundos das periferias das grandes cidades, Huck ouviu histórias de muitas dificuldades. Abordou a questão da violência. “Tem gente falando que tem que armar a população. Não é isso. Não é essa a solução para a violência”. O apresentador falou, mais uma vez, sobre a necessidade de reduzir desigualdades. “Não podemos fugir da discussão sobre a redução das desigualdades. Muita gente faz cara feia quando falo nisso. As teses liberais da economia da Faria Lima [endereço de grandes empresas de São Paulo] e do Leblon [bairro rico do Rio de Janeiro] por si só não vão puxar as pessoas do sertão do Cariri [região pobre do Ceará]”, exemplificou Huck, dizendo que esteve lá recentemente.
“Precisa resgatar as pessoas da pobreza, precisa de políticas sociais. O capitalismo é incrível, mas é uma fera, um leão, que se não for domado, ele vai te devorar. O Bono [cantor do U2] disse isso”, afirmou Huck, concordando com o cantor.
Mencionando várias vezes o que tem visto em viagens pelo Brasil, Huck disse que se sente desafiado a “impactar a vida das pessoas”. “Eu penso em políticas públicas e em como contribuir. É muito difícil voltar pra caixinha que você estava. O que me seduz e desafia é o poder de transformar e impactar a vida das pessoas”, afirmou. O apresentador disse, ainda, que diante do que tem visto – citou especificamente a fome em algumas regiões brasileiras – disse que quer fazer uma “convocação geracional”. “Isso [a fome] está errado. Quero fazer uma convocação geracional para construir um país mais justo.”
Huck disse que rejeita um “projeto personalista”, deu ênfase ao trabalho do grupo Renova, que elegeu 17 “novas lideranças” nas eleições do ano passado e disse que o grupo continuará atuando para eleger novos políticos nas eleições municipais de 2020. “A gente tem que servir, tem que derrubar os muros ideológicos, a gente tem que dialogar, encontrar soluções, novos modelos econômicos. Estou preocupado com a geladeira das pessoas”, afirmou, num tom de candidato em palanque. Huck, porém, ressaltou: “O Estado tem que cuidar de criar um país mais justo, com foco na redução de desigualdades. Não existe salvador da pátria. Tem que organizar a sociedade como um todo”. A seguir, a entrevista para o Metrópoles.
Você fez uma fala com conteúdo político muito forte. Quando você fala dessa convocação geracional, o que isso significa? Isso contempla uma candidatura sua, em algum momento, no futuro?
Não. Essa convocação geracional é o que eu venho fazendo nesses dois anos. Se a gente quer reduzir desigualdades no Brasil, se a gente quer um país mais eficiente, mais afetivo, o terceiro setor é muito importante, mas o ponteiro da desigualdade não mexe. Quem, de fato, tem o poder transformador é o Estado, é o governo. Tem ideias, tem dinheiro, mas a gente vai precisar de capital humano.
Qual é a sua contribuição do ponto de vista político?
Eu acho que estou sendo um cidadão cada vez mais ativo. Acho que tenho um lugar de fala que eu espero seja cada vez mais potente no sentido de poder levantar bandeiras, levantar questões, ajudar as lideranças que hoje em dia estão espalhadas pelo Brasil, para que tenham voz e visibilidade. E acho que o Renova é a prova disso. Bem ou mal, 15% dos nossos líderes estão eleitos, independentemente da ideologia. É uma convocação no sentido de que, se a gente não se aproximar da política, se a gente não se aproximar da gestão do Estado, o Brasil vai continuar andando de lado.
Mas você, pessoalmente, descarta uma candidatura?
Se eu coloco uma frase desse jeito, ela desvirtua todo o resto. E eu acho que não pode ser um projeto personalista. É um projeto geracional e de um grupo de gente que hoje em dia está se formando com várias facetas. Então, cair na pegadinha de personalizar o discurso, só enfraquece a mensagem.