Guerra eleitoral: cidades menores têm mais pesquisas do que capitais
Pesquisas eleitorais viram “armas” de influência em cidades menores. Candidatos usam dados para defender a ideia de que estão na liderança
atualizado
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A disputa eleitoral em cidades de médio e pequeno porte do Brasil virou uma “guerra de números”, com base em supostas pesquisas que apresentam resultados para todos os gostos. Em determinados locais, a quantidade de levantamentos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) chega a ser maior do que a de capitais e outros municípios maiores.
Em Picos (PI), cidade que fica a 318 quilômetros de Teresina, existem versões bem distintas de pesquisas sendo utilizadas pelos candidatos. O atual prefeito, Gil Paraibano (PP), disputa a reeleição, numa briga direta com o deputado estadual Dr. Pablo Santos (MDB). Ambos possuem publicações nas redes sociais com resultados de levantamentos que os colocam na dianteira.
A cidade de 83 mil habitantes é a 25ª do país com mais registros de pesquisa no TSE. Até a quinta-feira (26/9), eram 28, a mesma quantidade de Salvador (BA) e Curitiba (PR), e mais do que capitais, como Porto Alegre (RS), Vitória (ES) e Florianópolis (SC). Enquanto Paraibano diz liderar com mais de 40% das intenções de voto, Dr. Pablo usa pesquisas que o colocam com mais de 60%.
PT contra PL
Essa disputa acalorada e com diferentes versões numéricas é verificada, também, em Anápolis (GO), cidade de porte médio, com quase 399 mil habitantes, mas que chega a ter mais pesquisas do que o Rio de Janeiro (RJ). A corrida local reflete a polarização nacional. Os dois candidatos mais bem colocados são Antônio Gomide (PT) e Márcio Correa (PL).
O município já contabiliza 42 pesquisas, enquanto Rio de Janeiro e Fortaleza, por exemplo, têm 37 e 36, respectivamente. A briga entre PT e PL na cidade goiana virou uma disputa numérica, na tentativa de gerar influência e aumentar o otimismo das bases eleitorais. Por ter mais de 200 mil eleitores, Anápolis está sujeita a ter segundo turno.
O petista Gomide destaca, nas redes sociais, resultados diversos que o colocam na frente. “Gomide é líder e pode ganhar no primeiro turno”, diz uma das publicações. Já o representante do partido de Jair Bolsonaro (PL) reagiu nos últimos dias, com pesquisas que o apontam como líder da disputa. “Márcio bate o candidato do Lula”, afirma uma das postagens.
Veja as 120 cidades com mais pesquisas eleitorais no Brasil:
“Não é guerra numérica. É guerra de desinformação”
A quantidade de levantamentos registrados, até então, nas eleições deste ano, já é a maior da série histórica. Na quinta-feira, o sistema do TSE informava um total de 10.789, e na sexta (27/9) chegou a 11.440, o maior número desde 2012, quando o Tribunal passou a contabilizar e divulgar dados de pesquisas eleitorais.
A presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais (Abrapel), Mara Telles, é crítica à proliferação e ao uso de pesquisas com metodologias questionáveis para tentar influenciar o eleitor. Ela reconhece que há no Brasil bons institutos, que fazem um trabalho sério e que seguem as regras de amostragem, mas afirma que existem aqueles que fazem o contrário.
“Não é exatamente uma guerra numérica. É uma guerra baseada em desinformação. A desinformação virou um grande negócio e tem muita gente lucrando com isso. Existem vários pequenos institutos que estão por aí, que as pessoas não conhecem e que têm vendido fantasias para os candidatos. São institutos que fazem negócios em troca de resultados, muitos surgidos às vésperas das eleições”, aponta Mara.
Na sexta, o valor total investido em pesquisas, nas eleições deste ano, ultrapassou os R$ 120 milhões — exatamente R$ 124,3 milhões. Essa quantia é a maior das eleições municipais, desde 2012. “É muito dinheiro, e boa parte vem do Fundo Partidário. Está sobrando dinheiro. Vale dizer que institutos pequenos fazem muita pesquisa a custo baixíssimo, com pessoas não treinadas”, diz a presidente da Abrapel.
Gráficos manipulados, resultados distintos e soma que não atinge 100%
No “vale tudo” numérico das eleições de 2024, já surgiu de tudo — de gráficos manipulados a somas de percentuais que não atingem os 100%. Com o status de peças de marketing, principalmente numa eleição que já resultou em mais de R$ 120,4 milhões gastos em impulsionamento de conteúdos digitais, as pesquisas viraram armas estratégicas das campanhas em todo o país.
Em Parnamirim (RN), a disputa entre Professora Nilda (Solidariedade) e Salatiel (PL) não para de gerar novos números e publicações na internet. A cidade é a 17ª do Brasil com mais pesquisas registradas, até então. Ao todo, são 33 levantamentos, mais do que capitais como Curitiba, Recife, Salvador e Porto Alegre.
Nilda aparece na frente na maioria das pesquisas. Só nas últimas semanas, o perfil dela no Instagram fez sete publicações com vários percentuais, de 38,7% a 58,3%, conforme levantamentos de diferentes institutos. “Nilda segue crescendo, e o candidato do prefeito está ficando cada vez mais para trás”, diz o texto provocativo de uma das postagens.
O tal “candidato do prefeito” é o jornalista e redator Salatiel. Para reagir e contra-atacar a investida numérica da adversária, ele fez duas publicações recentes, nas quais os gráficos dão a entender, visualmente, que ele está na frente. Os números das pesquisas utilizadas pelo candidato, no entanto, indicam o oposto: ou ele está atrás ou empatado. “Ninguém segura o homi!”, diz um dos textos de destaque.
“As pesquisas são eventos de campanha e existem cidades com resultados muito distintos. Eu mesma vi uma com três institutos e três resultados completamente diferentes. Mesmo que uma pesquisa seja dada como falsa, ela já foi publicada, já foi dada como verdade e utilizada pelas campanhas. Além de desinformar, isso influencia, pois o que mais existe é aquele tipo de eleitor que quer votar em quem está na frente”, alerta Mara Telles.