Governo Lula fecha semana com derrotas no Congresso que expõem base frágil e articulação falha
Segundo líderes, os resultados do governo Lula no Congresso refletem a falta de organização para negociações políticas dentro do Parlamento
atualizado
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Na última semana, o governo Lula foi surpreendido por duas grandes derrotas na Câmara dos Deputados. Uma delas foi a votação que abre brecha para a derrubada da regulamentação do marco legal do saneamento básico, assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A segunda derrota para o chefe do Executivo federal foi o adiamento da votação do PL das Fake News. Ainda que a base tente minimizar, o quadro preocupa o Palácio do Planalto.
Na avaliação de lideranças da oposição, ouvidas pelo Metrópoles, os dois resultados negativos revelaram enfraquecimento de uma base não alinhada no Congresso Nacional. De acordo com eles, o placar também refletiu a falta de organização para negociações políticas governamentais dentro do Parlamento.
O decreto de Lula que pode ser derrubado é o de nº 11.467/2023, que destrava investimentos públicos para a área de saneamento básico. O sustado pelo projeto de decreto legislativo (PDL) versa sobre a prestação regionalizada de serviços de saneamento, sendo definida enquanto modalidade de prestação integrada por um ou mais componentes dos serviços públicos.
O marco legal foi sancionado em 2020 pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) e previa que novas contratações para a prestação de serviço só poderiam ser feitas por meio de abertura de concorrência, com igualdade de condições entre os setores públicos e privado.
As edições de Lula, no entanto, permitem que empresas estatais prestem serviços de saneamento sem licitação com os municípios em região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião.
Oposição “atenta”
Ao Metrópoles a líder do partido Novo na Câmara, Adriana Ventura (SP), avaliou que as “derrotas” mostram que a oposição está “atenta”:
“O governo Lula está com dificuldades para consolidar a sua base. A postura política dele, mais vingativa do que propositiva, não ajuda nisso. Mas mais do que a dificuldade do governo em aprovar pautas, precisamos destacar a habilidade da oposição em defendê-las. O fracasso do governo mostra que há muitos deputados alinhados em impedir os retrocessos prometidos por Lula. Isso quer dizer que a defesa está firme e não irá deixar passar essas pautas”, avaliou.
Após a edição do decreto sobre saneamento, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também se manifestou publicamente contrário e afirmou que o Congresso não aceitaria “retrocessos”: “Defendo a revisão do marco legal do saneamento com o propósito de aperfeiçoar a legislação vigente. Porém, alerto que o Parlamento irá analisar criteriosamente as sugestões, mas não vai admitir retrocessos”, justificou.
No entanto, na visão do líder do PT na Câmara, Zeca Dirceu (PT-PR), as perdas fazem parte do regime democrático e o governo está no “rumo certo”.
“Todo governo pelo mundo afora, nos estados, nos municípios, no governo federal, é marcado por vitória de derrotas. Isso faz parte do processo democrático. Então não há motivo pra nenhum tipo de pânico, pra nenhum tipo de alarde, pra nenhum tipo de desespero. O governo na minha avaliação conduz a articulação política no rumo certo”, disse.
Fake news em alvo
Considerado uma das prioridades do governo, o PL das Fake News teve sua votação adiada na última semana. O projeto está na casa há mais de três anos e nunca chegou, de fato, a ser apreciado em plenário.
Mesmo também sendo de interesse de Arthur Lira, o relator Orlando Silva (PCdoB-SP) manteve a incerteza se o plenário contava com votos suficientes para aprovação e, a pedido de deputados para maior tempo de análise, solicitou o adiamento da discussão do texto.
“Especulamos caminhos alternativos para que a lei tenha algum mecanismo de fiscalização”, disse Silva.
O relator do texto na Câmara promoveu uma série de alterações, no sentido de combate à desinformação e contenção de conteúdo com cunho criminoso. Orlando Silva, dessa forma, começou a escutar partidos, representantes da sociedade civil, além de plataformas e provedores de internet, para arredondar a proposta e torná-la mais palatável à oposição.
Para o líder da oposição na Câmara, deputado Carlos Jordy (PL-RJ), ambos os resultados demonstram fragilidade. “Foram duas derrotas muito significativas pro governo. Demonstra que ele não tem base. A base é muito frágil. E isso se traduz até mesmo na falta de resultados, que até agora não conseguiram aprovar nenhum projeto do Congresso Nacional”, avaliou.
Falta de articulação
As insatisfações da base do governo no Congresso com a articulação política no Legislativo também se mostraram fortes na última semana. Entre as críticas dos parlamentares, estão a falta de assertividade em decisões, excesso de reuniões e dificuldade em conquistar apoio dos deputados.
Em nova organização, a Câmara passou a ser dividida por “blocos”. Há, por exemplo, o bloco encabeçado por Arthur Lira, que reúne 173 deputados. Do lado do MDB, 142 deputados compõem o grupo. Já as duas maiores bancadas na Câmara, o PL (sigla de Jair Bolsonaro) e o PT (de Lula), ficaram fora da formação que dividem as forças de centro.
A ausência de um bloco do partido do governo fez petistas da velha guarda ficarem insatisfeitos. Reservadamente, líderes avaliaram que Lula entregou a governabilidade nas mãos do Centrão, o mesmo erro de Jair Bolsonaro, e isso atrapalha a condução dos trabalhos no Congresso.
A falta de articulação recaiu, inclusive, sobre o Ministério das Relações Institucionais, chefiado por Alexandre Padilha. Congressistas avaliam que o ministro “não foi uma escolha acertada” e que o gabinete “precisa de alguém de centro”. A pasta de Padilha funciona como uma “ponte” entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional, com o objetivo de garantir governabilidade.
As pautas que vão contra o governo estavam sendo mantidas longe do plenário, enquanto Lira tentava negociar com o Executivo alterações nos documentos assinados por Lula. Sem resposta, o Parlamento acabou aprovando a derrubada. O texto que pode sustar as regras editadas por Lula sobre o marco do saneamento ainda terá de passar pelo Senado Federal.
Devido à desorganização da base, há uma ala entre os governistas que defende que o próprio presidente Lula passe a participar mais diretamente da articulação com os parlamentares. Ele deve voltar a atenção para isso após o retorno da Europa, onde foi participar da coroação do rei Charles III.
Fator Emendas
A retenção dos pagamentos de emendas de código RP-2 susta outro fator para a recente perda do governo na Câmara dos Deputados. Pesa, ainda, a demora para nomeação de cargos de terceiro escalão. Lideranças do Centrão e de legendas governistas, procuradas pelo Metrópoles, afirmam tratar-se não somente de um recado genérico enviado ao Executivo, mas um alerta endereçado à Casa Civil, comandada por Rui Costa.
De acordo com os parlamentares, a pasta é a responsável pelo represamento da indicação dos pagamentos pelos ministérios às prefeituras. As emendas RP-2 são importantes porque para elas foi redirecionado parte dos recursos advindos do extinto orçamento secreto, de código RP-9.
Ainda na votação do saneamento, o governo lidou com traições de partidos que ocupam cadeiras na esplanada dos ministérios. União Brasil, MDB e PSD, que possuem três ministros cada e 142 deputados, entregaram apenas oito votos. Apenas o União não seguiu o governo. Já no PSB, legenda do vice Geraldo Alckmin, foram três votos favoráveis, sendo um deles de Felipe Carreras (PE), líder do superbloco.