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Governo impõe sigilo sobre visitas de Wassef e lobistas a Bolsonaro

Em resposta a pedidos da Câmara, Planalto usa pareceres da CGU para blindar reuniões no Palácio da Alvorada, como no caso do advogado

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Jair Bolsonaro
1 de 1 Jair Bolsonaro - Foto: HUGO BARRETO/METRÓPOLES

O governo tem se recusado a informar com quem o presidente Jair Bolsonaro se reúne no Palácio da Alvorada. Desde o ano passado, ao menos oito pedidos feitos pela Câmara para saber se houve acesso de lobistas à residência oficial foram negados pela Presidência sob o argumento de que informar quem entra e quem sai do local pode pôr em risco a segurança de Bolsonaro e sua família.

A divulgação dos compromissos das autoridades está prevista em lei, mas o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) se vale de pareceres da Controladoria-Geral da União (CGU) para justificar as negativas e manter os encontros secretos. Os pareceres da CGU também já foram usados para impedir o acesso à lista de entrada de políticos e do ex-advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef, ao Alvorada.

A solicitação da Câmara sobre as datas em que Wassef esteve na residência oficial do presidente também foi negada com a justificativa de que qualquer divulgação poderia representar uma ameaça ao chefe do Executivo.

Depois que Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), foi preso em 18 de junho numa casa de Wassef, em Atibaia, o advogado deu declarações desencontradas e acabou saindo do caso. Queiroz, hoje em prisão domiciliar, é investigado por suspeita de comandar um esquema de “rachadinha” no gabinete de Flávio, quando o senador era deputado no Rio.

Um dos pareceres da CGU usados para negar as informações é datado de 26 de dezembro do ano passado e recomenda o sigilo dos registros de “controle de acesso relativos ao ano de 2019, uma vez que se encontram formalmente classificados (como secretos)”. O documento observa, porém, que as informações relativas ao controle de acesso de 2018 estão disponíveis. Dessa forma, apenas os apontamentos da gestão de Michel Temer e de governos anteriores podem ser consultados.

Assinado pelo ouvidor-geral da União, Fábio do Valle Valgas da Silva, o parecer foi feito para fundamentar uma negativa, por parte do GSI, a uma solicitação de informações sobre o acesso de três lobistas do setor de armas ao Alvorada, ao longo de 2019 e 2020.

A visita de representantes do setor aos palácios e ministérios de Brasília costuma ocorrer com frequência, como mostrou o Estadão, geralmente antes da tomada de decisões importantes do governo. Na lista de requerimentos negados pelo GSI estão pedidos de acesso a registros de entrada de lobistas dos setores de medicamentos e energia, além daqueles de armas.

Uma dessas demandas, encaminhada pela Mesa Diretora da Câmara, pedia acesso à lista de participantes de 21 reuniões realizadas pelo governo Bolsonaro para preparação do Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro, que buscava ativar a Base de Alcântara, no Maranhão.

A justificativa do pedido era que lobistas americanos poderiam estar influenciando na tomada de decisões em reuniões secretas no Alvorada. Neste caso, o GSI também evocou um parecer da CGU, de 23 de outubro de 2019, para negar a solicitação. Naquele mês, o Estadão mostrou que, na gestão de Bolsonaro, o Lago Paranoá vinha servindo como “entrada VIP” para convidados que chegavam de lancha ao Palácio da Alvorada para evitar o assédio da imprensa.

Um pouco antes, em 10 de outubro de 2019, o próprio ministro do GSI, general Augusto Heleno, encaminhou um ofício à Câmara, após pressão de parlamentares pela divulgação das agendas. No ofício, Heleno disse que, na sua avaliação, os registros de acesso às dependências presidenciais deveriam ser mantidos em sigilo.

“Os registros do corrente ano são classificados com o grau de sigilo reservado”, argumentou Heleno, destacando que o Palácio do Jaburu e a residência Oficial da Granja do Torto também se enquadravam no quesito “reservado”. O general alegou que, para zelar pela segurança presidencial, precisava “fazer um rígido controle de entrada e saída de visitantes” que, em sua maioria, são visitantes, terceirizados, fornecedores de gêneros e prestadores de serviço com acesso privilegiado aos referidos locais.

“Não é difícil imaginar que a divulgação do dado de tais pessoas, além de não representar nenhum interesse público por se tratar de trabalhadores anônimos, colocaria em risco sua segurança pessoal, expondo desnecessariamente sua privacidade, além de torná-los alvos de eventual cooptação”, diz trecho do documento, obtido pelo Estadão.

Na prática, a mesma regra de sigilo tem sido aplicada a qualquer brasileiro que, por meio da Lei de Acesso a Informação (LAI), queira saber quais autoridades, representantes de empresas ou advogados frequentam as sedes do Executivo. Um dos argumentos apresentados pelo GSI e acatado pela CGU para aceitar o pedido de sigilo é que o órgão não dispõe de um sistema eletrônico do qual possa extrair automaticamente os registros do controle de acesso às residências oficiais de Bolsonaro e do vice-presidente, Hamilton Mourão.

Dessa forma, de acordo com essa justificativa, o registro das pessoas que acessam os palácios é “lançado manualmente” em livros. “Para digitalizar as informações relativas ao período solicitado, teria que envolver 50% da sua força de trabalho durante quase três semanas”, disse o GSI. Segundo o ministério, o envio das informações digitalizadas “realmente tornaria o pedido desproporcional, acarretando um custo desnecessário para a administração pública, com a alocação de parte relevante de sua força de trabalho”.

Promessa de campanha

Logo que tomou posse, em janeiro de 2019, Bolsonaro disse que a transparência seria uma marca de seu governo. A promessa já havia sido feita durante a campanha. “Transparência acima de tudo. Todos os nossos atos terão que ser abertos para o público. E o que aconteceu no passado também. Não podemos admitir qualquer cláusula de confidencialidade pretérita. Esses atos e ações tornar-se-ão públicos”, afirmou o presidente, ao empossar os novos dirigentes de bancos estatais, em 7 de janeiro do ano passado.

Ao longo dos últimos meses, no entanto, o que se viu por parte do GSI, de acordo com especialistas ouvidos pelo Estadão, foi uma seletividade nas respostas aos requerimentos sobre quem acessou o Alvorada. Chama a atenção o fato de que o ministério, em alguns casos, consultou os registros de entrada para responder à solicitação da Câmara. A “consulta” só ocorreu, porém, em casos nos quais a resposta foi para dizer que determinados lobistas “não frequentaram” o Alvorada.

Foi o caso da solicitação de registros de entrada de Renato Spallici e outros representantes da empresa Apsen Farmacêutica ao Alvorada. O Estadão revelou que o empresário do ramo farmacêutico triplicou a fabricação de cloroquina depois que Bolsonaro começou a fazer propaganda do medicamento. Em resposta, o GSI disse, no último dia 15 de junho, que Spallici não acessou as dependências da Presidência. Na quase totalidade dos requerimentos, porém, o GSI afirmou não ter pessoal suficiente para consultar os livros de registro.

Resolução

Uma resolução de 2017, da Comissão de Ética Pública do Executivo, garante que toda agenda de autoridades do governo deve ser divulgada. Para o presidente da ONG Contas Abertas, Gil Castelo Branco, a forma como o governo tem agido afronta a Lei de Acesso à Informação.

“O presidente da República deve respeitar as normas da Comissão de Ética Pública. O conceito de transparência da agenda de compromissos públicos – não se trata de relacionamentos pessoais ou familiares – precisa ser preservado. A intenção da legislação foi justamente a de dar transparência aos compromissos públicos onde quer que aconteçam”, disse o economista.

Castelo Branco ponderou que, no caso de reuniões que envolvam a segurança nacional, a agenda até pode mencionar os assuntos como sigilosos. “Mas os nomes dos participantes devem ser revelados. Se não for assim, qualquer presidente poderá marcar as reuniões que desejar no Alvorada, descumprindo, ou até burlando, os princípios relacionados à publicidade das reuniões oficiais públicas”, destacou ele.

Para Bruno Brandão, diretor executivo da Transparência Internacional no Brasil, o governo tem “compromisso e obrigação” de dar acesso ativo às informações, o que significa divulgar as agendas de reuniões diretamente nos seus sites, sem necessariamente ser solicitado. “Quando essa informação não existe, o governo também tem a obrigação legal de dar respostas, de fornecer acesso à informação mediante pedido, que é a chamada transparência passiva. Nesse caso, parece que o governo não atendeu a essas duas obrigações legais”, avaliou.

A Transparência Internacional propõe até mesmo a regulamentação da prática do lobby no Brasil, alegando que a maioria dos países já conta com legislações nesse sentido. “É preciso reforçar a necessidade dessa transparência, mas também exigir que os grupos que tradicionalmente não são ouvidos tenham acesso aos tomadores de decisão para, eventualmente, contrapor argumentos e visões desse setor que costumeiramente é ouvido, o empresarial, com interesse econômico em determinadas agendas, como, por exemplo, na da reforma tributária”, argumentou Brandão.

No seu diagnóstico, as relações entre público e privado costumam estar na gênese de corrupção. “Então, é importante que a sociedade acompanhe quais interesses estão sendo levados ao governo, quais empresas e agendas são ouvidas, e a única forma de saber disso é tendo transparência”, afirmou o executivo.

Na mesma linha, a gerente de projetos da Transparência Brasil, Marina Atoji, sustentou que a negativa de acesso a informações sobre a frequência no Alvorada contraria o princípio da publicidade e a LAI, especialmente na parte segundo a qual a publicidade é a regra, e o sigilo, a exceção. “Se essa negativa de acesso obedece ao interesse particular da Presidência, pior ainda: o princípio da moralidade também está sendo violado”, disse Marina.

Apenas informações que indiquem hábitos ou rotinas do chefe do Executivo e de sua equipe poderiam ser considerados sensíveis ou comprometedoras da segurança presidencial e ministerial, na visão de Marina. “De resto, especialmente reuniões e encontros para tratar de assuntos ligados ao exercício do mandato, incluindo aqueles com lobistas, são de interesse público e, como tais, devem ser divulgadas”, afirmou.

Procurados pelo Estadão, a Secretaria-Geral da Presidência e o Gabinete de Segurança Institucional não quiseram se manifestar.

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Advogado de Bolsonaro, Frederick Wassef, tentou isentar o ex-presidente no resgate de Rolex vendido nos EUA
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