Governo ignorou alertas sobre desabastecimento de oxigênio em Manaus
Pacientes com Covid-19 morreram asfixiados em hospitais pela falta do insumo. Ministério e Secretaria de Saúde sabiam do problema
atualizado
Compartilhar notícia
A crise de oxigênio que levou Manaus aos caos, que assombrou o país e impossibilitou internações para tratamento da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, teria dado indícios ainda em novembro de 2020.
Documentos da Secretaria de Saúde do Amazonas mostram que a pasta sabia que a quantidade de oxigênio hospitalar disponível seria insuficiente para atender a alta demanda provocada pela pandemia.
Nesta semana, durante visita à capital amazonense, o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, confirmou que tinha conhecimento do que ocorria nos hospitais naquele momento. “Estamos vivendo crise de oxigênio? Sim”, afirmou em seu discurso.
O estoque de oxigênio chegou a acabar nos hospitais de Manaus e pacientes morreram asfixiados, segundo o relato de médicos. Agora, o governo está transferindo doentes para outros estados.
A demanda de oxigênio aumentou em cinco vezes nos últimos 15 dias, alcançando um volume de 70 mil metros cúbicos diários. Esse consumo equivale a quase o triplo da capacidade de produção da unidade da White Martins em Manaus, que é de 25 mil metros cúbicos por dia. Entre abril e maio, na primeira onda da pandemia, o pico desse consumo foi de 30 mil metros cúbicos diários.
Os problemas começaram na capacidade de produção dos fornecedores e a alta demanda. Além disso, o estado enfrenta dificuldades logísticas para o transporte do insumo.
A empresa White Martins é a principal fornecedora de oxigênio hospitalar no estado. O governo tentou fazer um ajuste no contrato para comprar mais produto, mas a aquisição não teria se concretizado por deficit na produção.
Com a situação se agravando, as autoridades amazonenses alertaram o governo federal do risco de desabastecimento. Contudo, o Ministério da Saúde não tomou nenhuma providência.
O ministro Pazuello esteve em Manaus três dias antes do colapso. Mais uma vez, o chefe da Saúde não teria tomado nenhuma medida para solucionar o problema.
“Não tem o que fazer”
Na última segunda-feira (12/1), o ministrou contou que recebeu alertas até mesmo de sua cunhada. “Quando eu cheguei na minha casa ontem, estava a minha cunhada, com o irmão sem oxigênio nem para passar o dia. ‘Acho que chega amanhã.’ ‘O que você vai fazer?’ ‘Nada. Você e todo mundo vão esperar chegar o oxigênio e ser distribuído. ‘Não tem o que fazer. Então, vamos com calma”, detalhou.
O Hospital Universitário Getúlio Vargas, unidade de saúde federal e que recebe pacientes com Covid-19, também é abastecido com o oxigênio da White Martins. A empresa também teria alertado ao governo sobre as dificuldades.
O Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Estado do Amazonas (MP/AM), o Ministério Público do Trabalho (MPT), o Ministério Público de Contas (MPC), a Defensoria Pública da União (DPU) e a Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE/AM) apresentaram pedido de tutela de urgência à Justiça Federal para assegurar o fornecimento regular de oxigênio.
O Ministério da Saúde e a Secretaria de Saúde do Amazonas garantem que estão trabalhando para solucionar o problema. Na sexta-feira (15/1), o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que o governo federal promovesse, imediatamente, todas as ações ao seu alcance para debelar a “seríssima crise sanitária”.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a fabricação do produto com a redução temporária do percentual de pureza do oxigênio de 99% para 95%, o que facilitaria o aumento da produção.