Governo Lula começa sem orçamento para principal programa de segurança
Escolhida para coordenar novo programa, Tamires Sampaio articula para que Pronasci volte a ter orçamento próprio. Foco será feminicídio
atualizado
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As duas principais promessas da campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a área de segurança pública são a revogação dos decretos de acesso a armas e a retomada do Pronasci, o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania.
Mestre em direito e militante do movimento negro, a advogada Tamires Sampaio foi escolhida para coordenar o cumprimento da segunda promessa. O Pronasci foi criado em 2007 e funcionou como o carro-chefe na área de segurança do Governo Lula 2. Na época, o orçamento previsto era de R$ 6,7 bilhões para cinco anos.
Dessa vez, o programa não tem um orçamento próprio para 2023, que deve ser articulado para a previsão orçamentária de a partir do ano que vem (2024). A iniciativa funcionará dentro do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).
Apesar de existir na Lei, o Pronasci está praticamente inativo desde 2011, começo do governo Dilma. Ou seja, Tamires terá o desafio de retomar um programa esquecido há mais de 10 anos.
“Esse ano é um ano de construção do Plano Plurianual (PPA), então vou brigar para o Pronasci voltar a ter uma dotação orçamentária como tinha no passado […]. Neste ano, para não ter nada, a gente está vendo ações que já existem e têm a ver com a lógica de segurança pública e cidadania, e já colocar isso nesse guarda-chuva do Pronasci”, resumiu Tamires ao Metrópoles. Ela defende fortalecer essas ações já existentes.
Redução da letalidade
O Pronasci terá três focos neste novo mandato de Lula. São eles: redução de feminicídio, o que inclui formação de policiais, trabalho com egressos do sistema prisional e a retomada dos Territórios da Paz e Cidadania, que são ações focadas em bairros com mais violência.
Para o ministro de Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, o programa será “mais modesto” neste ano. Um orçamento próprio será planejado para o próximo PPA, que vai de 2024 até 2028.
Segundo Tamires, o objetivo é que as ações do Pronasci nos estados e municípios sejam condicionadas a pré-requisitos.
Para receber projetos e recursos do Pronasci ou do Fundo Nacional de Segurança Pública, os estados e municípios terão que atender pré-requisitos que ainda serão definidos, mas poderão passar por ter formação humanizada dos policiais, manter estatísticas atualizadas, ter patrulha Maria da Penha e até ter câmeras no uniforme dos policiais. Semelhante ao que já acontece no Sistema Único de Saúde (SUS).
“O governo federal não pode obrigar os policiais a usarem câmeras, mas a partir de um plano, a gente pode induzir ou estimular as secretarias de segurança pública dos estados e municípios a utilizarem isso, por meio desse repasse no orçamento”, afirmou Tamires.
Promessa de inovação
Os mais jovens podem não conhecer, mas o Pronasci foi uma grande promessa de inovação na área de segurança pública no Brasil. Quando foi lançado em 2007, chegou a ser nomeado na imprensa como o PAC da Segurança.
O Pronasci promoveu dezenas de ações com o viés de juntar cidadania e segurança pública em articulação do Governo Federal com os estados e municípios.
Essas ações iam desde bolsas para policiais estudarem e capacitação de mulheres para trabalhar com jovens em situação de conflito com a lei, treinamento de policiais locais para atuar nas fronteiras e até criação de pontos de cultura para jovens.
Vários governos tentaram criar, sem sucesso, um programa nacional de segurança pública. Atualmente não existe um programa federal de segurança pública no país, que acaba ficando a cargo dos estados e municípios de forma pulverizada, sem uma liderança nacional.
Retomada
De acordo com Tamires, embora esteja sem orçamento no primeiro ano, o Pronasci poderá ser executado pelas secretarias e coordenações do MJSP, além de ter a possibilidade de ser usado o Fundo Nacional de Segurança Pública, que pode ter seus recursos aplicados em ações nos estados e municípios com o viés do Pronasci.
Quando começou no final dos anos 2000, o Pronasci era focado nas 18 cidades com maior criminalidade e, em poucos anos, o número de municípios passou de 100. Os indicadores criminais também devem ajudar a definir o foco da nova versão do programa, segundo Tamires.
“Eu sou uma pessoa que acredita muito que a gente não inventa a roda. Não vou achar que cheguei aqui em 2023 para coordenar um programa que já existiu lá atrás e vou fazer tudo novo”, defendeu a coordenadora do Pronasci.
Erros do passado
Ao tentar escolher alguns pontos para focar na retomada do Pronasci, Tamires tenta não repetir erros na condução do programa no passado.
A diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, disse que no Pronasci do governo Lula 2 houve uma perda de foco pela quantidade grande de temáticas e projetos dentro do programa, sem ter capacidade técnica dos municípios e estados para executar o orçamento.
“O Pronasci foi uma tentativa de dar conta de muitas frentes que envolviam segurança pública, só que isso também foi uma fragilidade, porque era muita coisa. Acho que nisso, ele se perdeu. A gente acabou tendo recursos muito pulverizados”, avaliou Carolina Ricardo.
Em 2012, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) fez uma avaliação sobre o Pronasci e fez os seguintes apontamentos que precisavam de melhorias: concentração dos recursos apenas na concessão de bolsas, falta de ação específica de combate ao racismo institucional e baixa execução de recursos em ações essenciais de prevenção.
No documento que define o foco do Pronasci 2023 é especificado que “o combate ao racismo é diretriz norteadora de todo o programa”.
Mudança de perspectiva
O Pronasci também representa uma presença maior do governo federal na segurança pública dos estados e municípios. No entanto, nem todos os gestores concordam com esse tipo de visão. Era o caso da presidente Dilma Rousseff (PT), que esvaziou os recursos do Pronasci a partir de 2011.
“Quando a Dilma assumiu, o Pronasci deixou de ser uma prioridade do Ministério da Justiça. Ficou muito claro que ela entendia a Segurança Pública com um paradigma mais antigo, como algo mais exclusivo dos estados e por tanto era uma coisa mais de polícia”, afirmou Carolina Ricardo.
Para a diretora do Sou da Paz, um dos legados do Pronasci foi a criação de gabinetes integrados, em que se discutia segurança pública com uma parceria entre estados e municípios. “A gente vê ainda estados e municípios que incorporaram essa cultura de pensar a segurança de forma integrada”.