Governo usou R$ 75 mi da Covid para financiar comunidades terapêuticas
Governo direcionou verba da Covid-19 para a “redução da demanda por drogas” em 2021 e 2022. Entidades são, em sua maioria, evangélicas
atualizado
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O governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) usou verba da Covid-19 para financiar comunidades terapêuticas, em sua maioria ligadas a igrejas evangélicas e católicas.
No total, instituições que realizam tratamento com internação de dependentes químicos receberam cerca de R$ 75 milhões, em 2021 e 2022, do montante reservado para o combate ao novo coronavírus.
Os dados foram levantados pelo Metrópoles junto ao Tesouro Nacional Transparente e ao Siga Brasil.
A Covid-19 já matou 688 mil pessoas no país.
Os recursos foram transferidos pela Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas (Senapred), do Ministério da Cidadania. A pasta é comandada pelo psquiatra bolsonarista Quirino Cordeiro Júnior (foto em destaque). O valor enviado às entidades tem como ação a “redução da demanda de drogas”.
O governo federal repassou R$ 42,715 milhões em 2021 e R$ 32,897 milhões em 2022.
O Ministério da Cidadania foi procurado para esclarecer como o repasse milionário a essas entidades pode ajudar no combate à doença. A pasta não respondeu. O espaço segue aberto.
Dedicadas a tratar pessoas com dependência química, as comunidades terapêuticas são geralmente ligadas a igrejas cristãs, sobretudo as evangélicas – base política-eleitoral de Bolsonaro.
Destaque no governo
Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) publicado em 2016 mostra que cerca de 40% das comunidades têm orientação pentecostal, 27% são católicas e 10%, missionárias ou de outras denominações cristãs.
Em síntese, isso significa que oito em 10 entidades são cristãs.
Nesse contexto, essas entidades ganharam ainda mais destaque na atual gestão.
Dados obtidos pela reportagem via Lei de Acesso à Informação (LAI) e cruzados com relatório da ONG Conectas Direitos Humanos mostram que a atual gestão triplicou o valor destinado às comunidades terapêuticas.
Em 2018, o governo federal, então chefiado por Michel Temer (MDB), repassou R$ 39,3 milhões às entidades. Esse montante subiu para R$ 135,8 milhões em 2021, alta de 345%.
Neste ano, o financiamento pode chegar a R$ 234,8 milhões, segundo estimativa do Ministério da Cidadania.
A quantidade de vagas nessas comunidades foram ampliadas de 2,9 mil em 2019 para 16,9 mil em 2022.
Isenção
Além do aumento do repasse, a atual gestão também isentou as entidades de tributos e doou carros e uma mansão, em meio a uma política que vai contra as evidências científicas, segundo especialistas.
“A comunidade terapêutica é a cloroquina da saúde mental, e o governo investe nisso justamente por um viés ideológico, uma vez que boa parte dessas instituições são evangélicas”, avalia o psiquiatra Deivisson Vianna Dantas dos Santos.
Dos Santos é doutor em saúde coletiva pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e diretor da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
Comunidades terapêuticas, inclusive financiadas pelo governo federal, já foram denunciadas por privação de liberdade, doutrinação religiosa e até LGBTfobia.
É o caso, por exemplo, do Desafio Jovem Maanaim, de Itamonte (MG).
Em 2020, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) apontou casos de tortura, insegurança alimentar, registros de assédio sexual, além de imposição de crenças religiosas e uso indiscriminado de medicamentos sem prescrição.
A entidade recebeu mais de R$ 1,3 milhão no governo Bolsonaro. Desse total, R$ 197,7 mil foram do orçamento destinado à Covid.
O Desafio Jovem Maanaim de Itamonte pertence a um pastor evangélico, originário da Igreja Assembleia de Deus.