Governo comprou Covaxin por valor 1.000% mais alto do que o estimado
Negociação não foi feita com a fabricante Bharat Biotech, mas sim com a Precisa Medicamentos, representante da empresa no Brasil
atualizado
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Um documento do Ministério das Relações Exteriores mostra que o governo federal negociou, em fevereiro deste ano, a compra da vacina indiana Covaxin por um valor 1.000% mais alto do que o preço anunciado pela fabricante seis meses antes.
Em agosto do ano passado, o imunizante contra a Covid-19 foi orçado em 100 rúpias, valor que equivale a US$ 1,34 a dose, segundo a Bharat Biotech, laboratório que fabrica o fármaco. A informação consta em um telegrama sigiloso da embaixada brasileira na Índia.
No entanto, o valor acordado com o Ministério da Saúde é mais alto, de US$ 15 por unidade — o que equivale a R$ 80,70, na cotação da época. A informação foi revelada pelo jornal Estado de S.Paulo, em publicação desta terça-feira (22/6).
Também chama atenção o fato de que, diferentemente das outras vacinas adquiridas pelo Ministério da Saúde, o contrato foi articulado com a Precisa Medicamentos, representante da Bharat Biotech no Brasil, e não com o próprio laboratório.
Outro telegrama do Itamaraty mostra que o embaixador brasileiro na Índia relatou críticas ao governo indiano por causa do valor pago pela vacina. Eles compraram o imunizante por US$ 4,10, quantia mais barata que a oferecida ao Brasil.
O valor total do contrato do Ministério da Saúde com a Precisa Medicamentos foi de R$ 1,6 bilhão. O negócio prevê a aquisição de 20 milhões de doses da vacina Covaxin. Dessas, 6 milhões tinham data de chegada prevista ao Brasil em março. A Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), entretanto, ainda não havia autorizado a utilização do imunizante no país.
No dia 4 de junho, a agência reguladora permitiu a importação das vacinas sob uma série de condicionantes. Uma delas é de que o Ministério da Saúde poderia comprar doses para apenas 1% da população brasileira.
Negociações
De acordo com os documentos, quem ordenou a compra dos imunizantes foi o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O processo de compra durou apenas três meses, período mais curto do que o de negociação com outras farmacêuticas.
A compra de vacinas da Pfizer, por exemplo, demorou 11 meses para ser concretizada. Durante o período, o valor do imunizante não se alterou e seguiu em US$ 10 a dose.
Na última quarta-feira (16/6), a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, no Senado, aprovou os requerimentos que pediam a quebra de sigilo total de Francisco Emerson Maximiano, um dos sócios da Precisa Medicamentos.
A empresa é apontada como suspeita de tentar intermediar a venda da vacina indiana Covaxin ao governo federal. Senadores apontam possível favorecimento do Executivo à companhia.
Um depoimento que está em poder da CPI mostra que um servidor do Ministério da Saúde se sentiu pressionado para a compra da vacina. Ele afirmou ter recebido mensagens de texto, ligações, e telefonemas fora do horário de expediente para agilizar a compra do fármaco.
O que diz a empresa
Contatada pelo jornal Estadão, a Precisa disse que o valor da vacina é estabelecido pelo fabricante, e que o preço oferecido ao Brasil é semelhante ao de outros mercados.
“O mesmo preço praticado no Brasil foi estabelecido para outros mercados. Em agosto, quando a vacina estava na fase 2 de testes clínicos, não havia ainda como dimensionar o preço final”, informou.
Sobre o valor oferecido ao governo indiano, a Precisa disse que a quantia foi mais baixa porque o país é um dos patrocinadores do desenvolvimento do fármaco.
“Em janeiro, a Bharat Biotech comercializou a vacina internamente, para o governo indiano, praticando um valor menor do que o comercializado para fora da Índia. Isso porque o país é codesenvolvedor da vacina e disponibilizou recursos para auxiliar no seu desenvolvimento”, diz a empresa, em nota.
O que diz o Ministério da Saúde
Procurado, o Ministério da Saúde afirmou que o pagamento pelas doses ainda não foi realizado e somente será concluído após a entrega das vacinas. A pasta também disse que “respeita a autonomia da Anvisa e não faz pressão para aprovação de vacinas”.
“O Ministério da Saúde reafirma ainda que mantém diálogo com todos os laboratórios que produzem vacinas Covid-19 disponíveis no mercado. No entanto, só distribui aos estados imunizantes aprovados pela Anvisa, que avalia rigorosamente a documentação dos fabricantes”, informou, em nota.