Governo brasileiro se movimenta para uma possível vitória de Biden nos EUA
A diplomacia brasileira se divide nas duas tarefas e apresentará ao presidente recomendações sobre como agir em todos os cenários
atualizado
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O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) fala abertamente sobre o apoio a Donald Trump nas eleições dos Estados Unidos, nesta terça-feira (3/11). Em encontro com investidores americanos no fim de outubro, o chefe do Executivo brasileiro deixou bem claro a preferência: “Se for a vontade de Deus, espero comparecer à posse do presidente brevemente reeleito nos EUA. Não preciso esconder isso, é do coração”.
Apesar da vontade de Bolsonaro, há uma grande possibilidade de o democrata Joe Biden, na frente nas pesquisas, vencer a corrida eleitoral. Por isso mesmo, o Planalto e a diplomacia brasileiro se preparam também para o resultado considerado adverso. Entre todos os cenários possíveis, um deles é a contestação do resultado por parte do aliado, Donald Trump, em caso de derrota por margem apertada.
Isso porque o presidente americano tem apontado a judicialização da eleição, com acusações de que o voto pelo correio permite fraudes. Entretanto, pelo menos dois colaboradores do governo brasileiro querem que, nesse caso, Bolsonaro não se pronuncie. Segundo a Agência Estado, um deles afirma que a situação “exigirá cautela do nosso lado, para não se precipitar na comunicação”.
Nenhum deles garante que Bolsonaro, cujo estilo é agir por impulso, seguirá a recomendação. O presidente tem recebido informações e análises sobre a campanha. E conversado também com republicanos.
Reconhecer a vitória
Entretanto, se Biden ganhar com folga, a resposta é certa: reconhecer a vitória do democrata. Dos dois lados, não há interesse em ruptura, por razões geopolíticas, o que fortaleceria a expansão chinesa nas Américas, objetivo declarado do presidente chinês Xi Jinping.
Sendo assim, o embaixador do Brasil em Washington, Nestor Forster, e o chanceler, Ernesto Araújo, além do assessor internacional Filipe Martins, entram em campo. Os dois últimos trabalham para não cair em desprestígio no governo e perder a pecha de “olavistas”, dada aos bolsonaristas influenciados pelo escritor Olavo de Carvalho.
Mas há um problema: Araújo, no entanto, é frequentemente lembrado por democratas em Washington pela autoria de um texto em que classificou Trump como o “salvador do Ocidente”.
Houve tentativas de contatos com nomes próximos a Biden, por meio de intermediários, conselheiros e assessores. Até o momento, no entanto, uma reunião oficial com a equipe democrata foi vetada, pois a campanha não aceita relações formais com governos estrangeiros. A interferência da Rússia na campanha de 2016 fez Trump e seu time de segurança nacional serem investigados.
Diálogo
Os brasileiros querem mostrar aos democratas que estão abertos a dialogar e trabalhar em conjunto. É um discurso-padrão da chancelaria há alguns meses. Embora credite os avanços em acordos de defesa, tecnologia e comércio à amizade entre Trump e Bolsonaro, Araújo já afirmou que a relação se reorganizará, mas não será afetada.
A saída para avançar em uma agenda bilateral, segundo envolvidos, deve exigir que os países retirem o foco da relação pessoal entre os líderes. Difícil, uma vez que a imagem de Bolsonaro dentro do Partido Democrata é muito ruim. E a ala progressista da sigla vai criar obstáculos para a aproximação com Biden.
Apesar de todos os esforços diplomáticos, nos bastidores do Itamaraty corre a certeza que, em caso de vitória de Biden, a relação entre Brasil e EUA será mais formal, frio e com desaceleração da agenda entre os dois países. O perfil de abordagem multilateral do democrata trará à tona a pauta climática no centro da política externa americana.
Ele prometeu “reunir o mundo” para proteger a Floresta Amazônica e que vai retornar ao Acordo de Paris. Trump e Bolsonaro, por sua vez, são vistos nos fóruns internacionais como “negacionistas climáticos”.
Inserção internacional
Com o governo de Jair Bolsonaro alinhado à figura de Donald Trump, uma vitória de Joe Biden pode prejudicar a inserção internacional do Brasil. Para o pesquisador Roberto Menezes, da Universidade de Brasília, “o governo brasileiro teria de fazer um esforço dobrado para conseguir menos coisas e tendo que ceder ainda mais”. Hoje, os EUA são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China.
Professora de relações internacionais da ESPM, Denilde Holzhacker aponta também que a posição do governo brasileiro de antagonizar com lideranças regionais faz com que o Brasil perca ainda mais espaço. “É uma situação que o Brasil, se não flexibilizar sua visão e estabelecer canais de diálogo, vai ficar isolado tanto no âmbito europeu quanto na América Latina.”
O diplomata Rubens Ricupero, que foi embaixador em Washington, segue a mesma linha. “A visão do Brasil do mundo é muito alinhada à extrema direita americana. Se essa extrema direita perder o poder, vai sobrar muito pouco no mundo em termos de países semelhantes à visão que (o chanceler) Ernesto Araújo tem ” Para ele, “o Brasil vai ficar extremamente isolado em sua visão de mundo”. (Com informações da Agência Estado)