Governo avalia nomear pastor para direção no Iphan e preocupa servidores
Tassos Lycurgo defende que cristianismo é a visão de mundo verdadeira; no órgão, ele lidará com bens culturais não cristãos
atualizado
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São Paulo – O próximo diretor de Patrimônio Imaterial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) poderá ser Tassos Lycurgo Galvão Nunes, professor do programa de pós-graduação em design da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e pastor da comunidade cristã Ministério Defesa da Fé.
Portaria publicada nessa sexta-feira (4/12) pela UFRN autoriza a cessão de Lycurgo “para que ocupe o cargo em comissão de diretor do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)”.
Ele poderá substituir Hermano Fabrício Oliveira Guanais e Queiroz, que está na Direção do Patrimônio Imaterial do Iphan desde agosto de 2016. Ele é considerado por colegas um bom quadro técnico do órgão.
Queiroz é formado em direito, mestre em preservação do patrimônio cultural pelo próprio Iphan e atuou como advogado da Procuradoria Jurídica do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia entre 2009 e 2012.
Segundo perfil de Tassos Lycurgo Galvão Nunes na plataforma Lattes, ele é professor do programa de pós-graduação em design da UFRN. Lycurgo é graduado em direito e filosofia, com pós-graduações em filosofia e educação, na área de matemática e lógica. Seus trabalhos mais recentes são voltados à religião, tendo feito vários estudos bíblicos. Nas redes sociais, demonstra maior inclinação a versar sobre apologética religiosa, isto é, a defesa da existência de uma visão de Deus através de argumentos racionais.
Lycurgo também mantém um canal multimídia para seu ministério cristão, o Defesa da Fé, que consiste em blog, perfil no Instagram e canal no YouTube.
Segundo descrição do blog, o Ministério Defesa da Fé é “uma comunidade de pessoas que suportam umas a outras e que segue Jesus Cristo porque está convencida de que o Cristianismo é a visão de mundo verdadeira”.
Essas posições preocupam servidores do Iphan que, desde o início da gestão Bolsonaro, estão vendo seus trabalhos sendo travados pela inaptidão técnica dos novos quadros.
O Departamento do Patrimônio Imaterial trabalha com bens culturais ligados a manifestações sociais, como festas ou práticas esportivas e artísticas. As olarias da região Sul, o modo de fazer queijo em Minas Gerais, a capoeira e o bolo de rolo são exemplos de patrimônios imateriais brasileiros. Muitas das manifestações sociais consideradas bens imateriais são vinculadas a diferentes religiões.
Funcionários que preferem ficar anônimos também relatam temer que a nomeação do que consideram um militante religioso dentro do Departamento de Patrimônio Imaterial implique uma defesa maior de manifestações cristãs em detrimento de outros bens imateriais, que englobam manifestações de religiões não cristãs, no âmbito das culturas afro-brasileira, indígena ou oriental.
“A exoneração do especialista em patrimônio cultural Hermano Queiroz fecha um ciclo. Agora temos paraquedistas, blogueiros, vendedores de pacotes turísticos e até um pós-doutor em apologética cristã, quando só necessitávamos era algum especialista na defesa do patrimônio cultural”, diz mensagem assinada por Andrey Rosenthal Schlee, ex-diretor do Departamento de Patrimônio Material.
Entidades condenam escolha de Lycurgo
A decisão de nomeação de Tassos Lycurgo revoltou entidades da área do patrimônio histórico, que divulgaram carta de repúdio. Assinam a carta 15 associações de museus, antropologia, arqueologia, história, arquitetura, urbanismo, ciências sociais e patrimônio.
“O que então podem esperar os segmentos da sociedade brasileira interessados na valorização do patrimônio cultural de modo amplo e inclusivo, diante da especulação já amplamente veiculada pela imprensa sobre a exoneração de Hermano Guanaes e Queiroz do cargo de diretor do Departamento do Patrimônio Imaterial do IPHAN, reconhecido estudioso e especialista neste campo, que vem desenvolvendo trabalho dedicado e exemplar? O que esperar quando a pessoa que irá substituí-lo não possui formação ou experiência prévia no campo do patrimônio e se apresenta como pastor de um segmento religioso que condena qualquer outra forma de expressão de religiosidade que não seja a sua?”, dizem instituições em carta conjunta.
Loteamento na Cultura
Em abril de 2020, o ministro do Turismo, Marcelo Alvaro Antonio, já havia nomeado o pastor e coach motivacional Zilfrank Antero para chefe da divisão administrativa da Superintendência do Iphan na Paraíba. Antero é blogueiro do Aliança pelo Brasil (partido que Bolsonaro ainda não conseguiu emplacar) sem nenhuma experiência na área.
O Ministério Público Federal (MPF) cobrou explicações do ministro do Turismo, mas Antero e outros nomes questionados pelo MPF seguem em seus cargos. Desde maio, o Iphan é comandando por Larissa Peixoto, que trabalhou no Ministério do Turismo por 11 anos. Sua chegada ao cargo também revoltou conselheiros do Iphan que consideraram que ela não tem formação para o cargo. Servidores de carreira no Iphan atribuíram sua nomeação ao fato de Peixoto ser casada com agente da Polícia Federal que trabalhou como segurança de Jair Bolsonaro em 2018.
Outro lado
O Metrópoles entrou em contato com a assessoria do Iphan, que disse que Hermano Fabrício Oliveira Guanais e Queiroz não poderiam atender a imprensa por causa da agenda cheia.
A reportagem também tentou contato com o professor e pastor Tassos Lycurgo, tanto via Universidade Federal do Rio Grande do Norte como pelo Ministério Defesa da Fé, mas até a publicação desta reportagem não obteve retorno. O espaço está aberto.