Golpistas usaram brechas da lei que rege redes sociais, diz advogada
Advogada explica que lacuna na lei foi usada para produzir e espalhar fake news nas redes com objetivo de desestabilizar o sistema eleitoral
atualizado
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O relatório final da Polícia Federal (PF), que indiciou 37 pessoas, entre elas o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa, expôs falhas graves na legislação brasileira sobre o uso de redes sociais, afirmam especialistas.
Isso porque plataformas digitais como WhatsApp e X foram peças centrais para a disseminação de desinformação, incitação de violência e mobilização de apoiadores do plano golpista.
De acordo com as investigações da PF, os golpistas criaram grupos com o objetivo exclusivo de produzir e transmitir fake news para desestabilizar o sistema eleitoral brasileiro e promover a desconfiança nas urnas eletrônicas. Dessa forma, seria possível alimentar a narrativa de fraude eleitoral, que justificaria o golpe.
Para a advogada especialista em ciências criminais Estrela Isis de Almeida Machado, a atuação desses grupos mostra diversas lacunas na legislação brasileira sobre o uso de redes sociais.
“Algumas das principais lacunas incluem a falta de responsabilização das plataformas, já que não estava claro o dever delas em moderar conteúdo, especialmente em relação à desinformação e incitação à violência, e uma grande dificuldade na identificação e remoção de contas automatizadas (bots).”
Um desses grupos, autodenominado “grupo dos malucos”, tinha como principais alvos os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso e Luiz Fux.
Os “malucos” eram comandados pelo ex-segurança de Bolsonaro Marcelo Araújo Bormevet, policial federal cedido à Agência Brasileira de Inteligência (Abin), na época dirigida pelo deputado federal Alexandre Ramagem (PL). Giancarlo Gomes Rodrigues, subtenente do Exército Brasileiro cedido à Abin, também participava da criação e disseminação de informações falsas.
No relatório, a PF apresenta um exemplo da atuação de Bormevet e Giancarlo Gomes Rodrigues. Eles foram os responsáveis por disseminar uma notícia falsa, em agosto de 2021, de que um suposto sobrinho do ministro Barroso estaria envolvido em irregularidades na empresa Positivo, fabricante de urnas eletrônicas. A fake news foi compartilhada na rede social X.
Elder Maia Goltzman, professor de direito e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), argumenta que, no caso das redes sociais, a moderação é desafiadora.
“Há grande automação. É impossível revisar todo o conteúdo de maneira humana. A moderação precisa considerar a língua portuguesa, o contexto das publicações e, acima de tudo, o investimento em impulsionamento. Mais que conteúdo, os gastos devem ser avaliados. Quem financiou?”, questiona o professor.
Regulação das redes sociais
O STF começou a julgar na quarta-feira (27/11) o conjunto de ações que tratam da regulamentação das redes sociais e da validade de trechos do Marco Civil da Internet.
“Hoje, há um grande debate sobre o usuário ser considerado consumidor. Se aplicado o Código de defesa do Consumidor, as empresas poderiam sofrer as sanções como multa ou suspensão. No entanto, a ideia não é unânime, especialmente pela interpretação tradicional do art. 19 do Marco Civil da Internet que diz, grosso modo, que as redes só podem sofrer sanção se não retirarem o conteúdo no prazo determinado em ordem judicial’, explica o professor Goltzman.
Sob as relatorias dos ministros Dias Toffoli, Luiz Fux e Edson Fachin, três processos são discutidos no Supremo: constitucionalidade do artigo número 19 do Marco Civil da Internet, responsabilização de provedores de aplicativos ou ferramentas de internet sobre conteúdos produzidos pelos usuários e possibilidade de remoção de conteúdos que possam ofender direitos pessoais, incitar ódio ou difundir desinformação a partir de notificação extrajudicial.