“Golpe de 2016” na UnB: primeira aula tem segurança reforçada
Troca de sala na última hora, aumento na equipe de segurança e proibição de alunos ouvintes marcam a estreia da disciplina na universidade
atualizado
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Após polêmicas envolvendo o Ministério da Educação (MEC), a primeira aula da disciplina “Tópicos Especiais em Ciência Política 4: O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil” foi acompanhada por esquema especial montado pela Universidade de Brasília (UnB) para prevenir possíveis tumultos. Ministrada pelo professor Luis Felipe Miguel, a matéria estreou na grade nesta segunda-feira (5/3) e não registrou protestos, mas teve troca de sala e “orientações de segurança” aos alunos.
A aula, inicialmente prevista para acontecer no pavilhão João Calmon, no campus Darcy Ribeiro, teve seu endereço modificado para uma das salas reservadas à pós-graduação no prédio do Instituto de Ciências Políticas (Ipol). No site da UnB, ainda consta o espaço antigo. Estudantes matriculados na disciplina afirmaram que foram avisados da troca por meio de e-mail enviado pela coordenação do curso.
No início da aula, o professor afirmou que a repercussão da disciplina causou “certo alvoroço”. Conforme pontuou o educador, somente estudantes matriculados regularmente poderiam ter acesso à sala. “Não podemos admitir alunos ouvintes”, explicou. As medidas teriam sido tomadas, de acordo com o docente, após reunião com a reitoria da universidade.
Com a orientação, alguns alunos, além de um grupo de jornalistas que acompanhava a estreia da matéria, deixaram o local.
A proibição de alunos ouvintes em disciplinas na graduação está estipulada no “Guia do Calouro”, publicação elaborada pela própria UnB. Universitários ouvidos pela reportagem afirmam, contudo, ser comum pessoas assistirem pontualmente a aulas de matérias em que não estão matriculadas. A autorização, nesses casos, fica a cargo do professor.
Do lado de fora, a primeira aula da disciplina foi acompanhada por uma equipe de seguranças da universidade. Ao menos cinco funcionários fardados foram vistos pela reportagem. A UnB negou que tenha havido qualquer modificação na operação de segurança da instituição.
Alunos revelaram que, dentro de sala, o professor discutiu o conceito de “golpe de estado” e enumerou algumas “medidas de segurança” para a matéria, como a proibição de gravar as aulas. O docente teria relatado medo de “deturparem o que seria o curso”. “Ele nos deixou bem à vontade para nos posicionarmos como quisermos”, afirmou a estudante de História Aline Nóbrega, 34 anos.
“É uma aula normal. Há um alvoroço artificial. Vou dar minha aula como sempre fiz”, afirmou o professor Luis Felipe Miguel ao fim da classe. O docente disse que não daria entrevistas para falar a respeito da disciplina.
A matéria “Golpe de 2016” foi ofertada com 50 vagas, rapidamente preenchidas no período de matrícula, o que gerou uma lista de espera de 40 estudantes. Atualmente, o sistema eletrônico da UnB registra nove desistências entre os primeiros matriculados.
Polêmicas
A proposta da disciplina provocou turbulência no meio político. O Ministério da Educação (MEC) pediu que o MPF investigue a matéria, bem como encaminhou a mesma solicitação à Advocacia-Geral da União (AGU), ao Tribunal de Contas da União (TCU) e à Controladoria-Geral da União (CGU). O objetivo, de acordo com a pasta, é apurar se houve ou não improbidade administrativa.
O ministro da Educação, Mendonça Filho (DEM/PE), lamentou, por meio de nota, “que uma instituição respeitada e importante como a Universidade de Brasília adote uma prática de apropriação do bem público para promoção de pensamentos político-partidários”. “A disciplina tem indicativos de ter sido criada exclusivamente para militância partidária”, completou.
A iniciativa do MEC gerou reação dos partidos da oposição. O PSol do Distrito Federal protocolou, em 23 de fevereiro, representação na Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Mendonça Filho. A sigla acusa o ministro de “utilizar as prerrogativas do cargo para intimidar e ameaçar” um professor da UnB.
Após denúncia do ex-reitor da universidade José Geraldo de Sousa Junior, que alegou ameaça ao “livre exercício da docência”, a Comissão de Ética Pública da Presidência da República abriu, em 26 de fevereiro, processo com objetivo de apurar a postura do titular da Educação. O político terá o prazo de 10 dias para apresentar explicações.
Por meio de nota, a UnB afirmou que “a proposta de criação de disciplinas, bem como suas respectivas ementas, é de responsabilidade das unidades acadêmicas, que têm autonomia para propor e aprovar conteúdos, em seus órgãos colegiados”. A instituição disse reiterar seu “compromisso com a liberdade de expressão e opinião”.