Goiás tem maior alta de ciclistas feridos em acidentes do Brasil
Estado teve aumento de 240% na quantidade de ciclistas que se lesionaram; em sentido inverso, incentivo às ciclovias cai na capital
atualizado
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Goiânia – Nos cinco primeiros meses de 2021, Goiás registrou um total de 575 ciclistas que se lesionaram e precisaram de atendimento médico. O número é 240% a mais que no mesmo período do ano passado.
Isso representa o maior aumento entre todas as unidades da federação, segundo pesquisa da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), feita com base em dados do DataSUS, do Ministério da Saúde.
Em sentido contrário, a capital do estado com maior aumento de ciclistas feridos em acidentes registrou um baixo crescimento e até redução da sua malha cicloviária, que são as vias destinadas para bicicletas.
O estudo identificou um panorama preocupante nas capitais, especialmente em Belo Horizonte, Goiânia e Fortaleza.
Devagar, quase parando
Na capital de Goiás, os últimos cinco anos foram marcados pela falta de investimento na construção de ciclovias, ciclorrotas e ciclofaixas, itens importantes na segurança do ciclista, segundo especialistas.
Entre 2011 e 2016, Goiânia inaugurou sua primeira ciclovia e chegou a 92,28 km de malha cicloviária. No entanto, entre 2017 e 2020 essa quilometragem só aumentou 1,79 km. Para piorar, o número mais atualizado é de 88,64 km de vias para ciclistas, menos que em 2016.
Essa redução se explicaria porque algumas ruas foram revitalizadas e a sinalização para as bicicletas foi coberta por massa asfáltica. A atual gestão da prefeitura diz que está reimplantando essas ciclofaixas e ciclorrotas e que pretende inaugurar mais, chegando a 178,7 km.
Via exclusiva
Especialistas ouvidos pelo Metrópoles enumeram pontos que interferem no aumento de acidentes com ciclistas: qualidade do asfalto, principalmente próximo ao meio fio; aumento do número de bicicletas por crise econômica e hobby; falta de sinalização, educação de trânsito e fiscalização.
Médico do tráfego e um dos coordenadores da Abramet, Carlos Eid, defende que a solução não é fazer qualquer tipo de malha cicloviária, mas sim ter investimento em ciclovias, que são mais seguras por ter uma área separada e exclusiva para bicicletas.
As ciclofaixas e ciclorrotas são definidas por sinalização no asfalto. Em Goiânia, apenas 35% das vias para bicicletas são ciclovias.
“Você tem uma disputa que o ciclista leva a pior. As vias geralmente são de má qualidade, principalmente a junção daquela sarjeta com o leito da via, fazendo com que o ciclista tenha que desviar para dentro da pista, aumentando a chance de acidentes”, avalia Carlos Eid.
Mudança de projeto
Para o perito de trânsito Antenor Pinheiro, a política cicloviária de Goiânia, iniciada na prefeitura de Paulo Garcia (PT 2011-2016), tinha problemas por privilegiar o uso da bicicleta como lazer, e não como transporte.
No entanto, essa polícia foi simplesmente interrompida na gestão do prefeito Iris Rezende, do MDB (2017-2020), segundo Antenor Pinheiro. “Além de ter interrompido, não houve a manutenção do que tem.”
Faixa para inglês ver
A falta de manutenção e fiscalização, principalmente das ciclofaixas e ciclorrotas, é uma realidade enfrentada por quem usa a bicicleta.
Edson de Melo, coordenador do GO Ciclo, avalia que parte da malha cicloviária não funciona na realidade, pois os motoristas não respeitam a sinalização. Além disso, parte dela está apagada ou coberta de asfalto.
“Se você pegar a bicicleta e for trafegar nessas ciclorrotas que interligam os parque e a ciclovia, você não vai conseguir andar com segurança, porque ela está ali para inglês ver.”
O GO Ciclo denuncia motoristas que desrespeitam faixas e rotas, além de fazer reivindicações por mais espaço para os ciclistas na cidade.
Regras não cumpridas
Carlos Eid, da Abramet, também aponta para um problema de formação. Ele lembra que as informações sobre o ciclista estão no Código de Trânsito, documento inacessível para muitos. O médico defende a necessidade de aulas sobre direção defensiva para ciclistas.
É no Código de Trânsito que fala da obrigatoriedade da bicicleta possuir campainha, sinalização noturna dianteira, traseira, lateral e nos pedais e espelho retrovisor do lado esquerdo.
Além disso, apesar de não estar na Lei, é recomendado medidas de segurança como o uso do capacete. Foi um item como esse que pode ter salvado a vida de Gustavo Mendes Borges, 40 anos.
Capacete quebrado
“Meu capacete quebrou em dez lugares. Mesmo assim tive traumatismo craniano. Se eu não tivesse com equipamento, certamente não estaria aqui para contar a história”, conta o ex-mecânico de máquinas pesadas, atual técnico de prótese dentária.
Gustavo teve uma lesão medular depois de um acidente grave de bicicleta, quando fazia uma trilha em Senador Canedo, em 2013. Entusiasta do ciclismo, ele andava de bike há cerca de 10 anos.
“A falta de andar de bicicleta é gigantesca, porque é uma coisa que a gente gosta muito de fazer e de uma hora para outra não pode.”
Gustavo até tentou praticar ciclismo com uma bicicleta adaptada, mas acabou substituindo a prática pelo basquete terapêutico, que pratica no Centro Estadual de Reabilitação e Readaptação Dr Henrique Santillo (Crer) há pelo menos quatro anos.
Como sobrevivente, o ex-ciclista também vê multifatores que explicam o aumento dos acidentes com bicicletas. Crescimento de adeptos do ciclismo, falta de experiência e intolerância no trânsito.