Goiás barra pequena hidrelétrica de primo de Ronaldo Caiado na Chapada
Secretaria do Meio Ambiente negou licença para instalação do empreendimento em área do Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga
atualizado
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Goiânia – Uma empresa presidida por primo do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), teve pedido negado pelo próprio estado para concessão de licença prévia destinada à implantação de pequena central hidrelétrica (PCH) no Rio das Almas, no Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga, em Cavalcante, no nordeste goiano.
Fundada e presidida pelo engenheiro civil Emival Ramos Caiado Filho, a empresa Rialma Central Elétricas do Rio das Almas apresentou, em 2007, o pedido ao estado, que o indeferiu após identificar riscos de graves impactos ambientais e culturais na região. Em seu site, informa que construiu as primeiras PCHs privadas em operação no estado.
Além de atuar em Goiás, Emival também é sócio de empresas do setor de energia em estados como Rio Grande do Norte, Ceará, Maranhão, Piauí e Pernambuco. Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), as PCHs representam 60.73% da utilização de fonte de energia no Brasil.
“Gestão técnica”
Na última quarta-feira (19/5), a Gerência de Licenciamento Ambiental da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) de Goiás enviou, por ofício, a decisão sobre indeferimento do pedido e à qual o Metrópoles teve acesso.
Titular da Semad, Andrea Vulcanis disse ao portal que “a gestão do governador, na área ambiental, é absolutamente técnica”. “Não tem como superar uma questão técnica por questão política. Independentemente de ser de parente ou não, cada procedimento precisa atender ao que a lei exige, para saber se tecnicamente é viável, ou não”, afirmou.
Desde o início do processo, a Associação Quilombo Kalunga (AQK) e demais representantes dos povos tradicionais se posicionaram contra o projeto por avaliar que apresenta graves riscos para a comunidade e o Cerrado, devido aos possíveis danos ao meio ambiente.
Pressão nos bastidores
Apesar das tentativas de articulação dos parentes do governador nos bastidores pela concessão da licença, a secretaria já havia se posicionado pelo indeferimento do pedido da Rialma, em parecer técnico do dia 1º de março deste ano.
De acordo com o documento, também obtido pelo Metrópoles, a empresa apresentou estudo de impacto ambiental (EIA) insuficiente sobre a viabilidade do empreendimento. “O EIA apresenta um conteúdo genérico e simplista”, registrou um trecho do parecer da secretaria.
Risco de prejuízos
O documento apontou, ainda, uma série de problemas que poderiam ser gerados com a implantação da pequena central hidrelétrica Santa Mônica.
Veja, abaixo:
- Prejuízos de cunho social, como sobrecarga nos serviços públicos locais;
- Aumento da violência e criminalidade;
- Aumento de epidemias e doenças;
- Conflitos pelo acesso a água;
- Impactos de difícil mensuração, como o rompimento de laços culturais e de redes de apoio social;
- Mudanças de hábitos e costumes;
- Perda de modos de vida e identidade comunitária;
- Dano moral;
- Abalos psicológicos.
Além dos impactos sociais negativos, o parecer da Semad destacou a riqueza da biodiversidade na área em que a central hidrelétrica seria implantada. A área é composta por grande quantidade de espécies ameaçadas de extinção.
Ameaça
A região da Área de Proteção Ambiental (APA) de Pouso Alto é universalmente reconhecida por sua célebre biodiversidade. A região da APA onde o empreendimento pretendia se instalar tem o status de reserva da biosfera e área prioritária para conservação, por encontrar-se no Cerrado, um dos biomas mais ameaçados do mundo.
“A implantação de um empreendimento deste porte e tipologia acarretará em significativos impactos ambientais e representa expressivos prejuízos e um altíssimo custo ambiental em um ambiente singular da biosfera”, diz o parecer.
O Metrópoles não obteve retorno de Emival Caiado e nem da empresa Rialma, que também atua nos ramos agropecuário e de mineração.
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Território Kalunga
O quilombo Kalunga remonta sua constituição no século 18. Entretanto, o reconhecimento do território kalunga, nos âmbitos regional e nacional, teve início nos anos 1980.
Os kalungas são povos tradicionais remanescentes de quilombolas e compõem o maior quilombo do Brasil. Está localizado no nordeste goiano, em terras situadas nos municípios de Cavalcante, Monte Alegre e Teresina de Goiás, na região da Chapada dos Veadeiros.
O Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga tem uma área demarcada de aproximadamente de 263 mil hectares, dos quais cerca de 130 mil hectares já foram titulados.
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Desapropriação
O Grupo Rialma tem a titularidade de uma terra na comunidade kalunga Vão de Almas, uma das 39 no quilombo. As terras pertencentes à Rialma não passaram pelo processo de desapropriação até o momento.
Estudo da advogada Andrea Gonçalves Silva e do professor de Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG) Cleuton César Ripol de Freitas mostra que a pressão sobre as terras kalungas tem se acentuado frente à expansão do agronegócio na região. Ele integra o Coletivo Jurídico Joãozinho de Mangal, que oferece assistência jurídica em quilombos no Brasil.
De acordo com o trabalho, há interesse de certos grupos no monopólio da produção de energia para subsidiar a produção no cerrado brasileiro e na exploração do minério. O território Kalunga está localizado numa região estratégica para o agronegócio, na divisa com o Tocantins, estado com forte crescimento da produção de soja.
A instalação de uma pequena central hidrelétrica no território à revelia das normas jurídicas, segundo o estudo, põe o processo histórico de constituição da comunidade kalunga e da própria estrutura de formação do povo brasileiro em risco.
Isto porque, de acordo com o trabalho, em nome do desenvolvimento econômico, as regras não são observadas, abrindo um perigoso precedente para futuros empreendimentos em detrimento da soberania dos povos constitucionalmente reconhecidos.