GLO de Lula sozinha não é solução para segurança, dizem especialistas
O presidente Lula autorizou o uso das Forças Armadas nos portos e aeroportos do Rio de Janeiro e São Paulo
atualizado
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que autoriza o uso das Forças Armadas dentro dos portos e aeroportos no Rio de Janeiro e São Paulo. O Metrópoles conversou com especialistas em segurança pública que analisaram a nova GLO e ponderaram quais resultados ela poderá trazer para o combate ao tráfico de armas e drogas no Brasil. Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Força Nacional atuarão no apoio às Forças.
Segundo o decreto, os militares da Marinha irão atuar nos portos do Rio de Janeiro (RJ), Itaguaí (RJ) e Santos (SP). A Aeronáutica deverá enviar militares para o Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, e para o Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, mais conhecido como Galeão. Será montado um comitê para acompanhar as ações de segurança que será coordenado pelos ministros da Justiça, Flávio Dino (PSB), e da Defesa, José Múcio Monteiro.
Especialistas ouvidos pelo Metrópoles não veem garantia de efetividade nas ações propostas pelo governo federal para combate ao crime organizado. Para eles, o problema não se resume apenas a produtos ilegais que dão entrada no Brasil via portos, aeroportos e fronteiras. A avaliação é que o problema é muito mais complexo e tem de incluir também uma ação direta, inclusive educativas e afirmativas, nas comunidades, onde as milícias e o tráfico atuam diretamente. Também são necessárias, segundo eles, ações de inteligência nas fronteiras.
O pesquisador Leonardo Ostronoff, do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP), explica que a GLO é um mecanismo previsto na Constituição Federal e que permite o uso das Forças Armadas na segurança pública dos Estados.
A pesquisadora Adriana Marques, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destaca que essa nova GLO apenas atribui mais uma atividade para as Forças Armadas e a expectativa é que ela não tenha um efeito significativo na segurança pública.
“Enquanto as Forças Armadas forem utilizadas para tarefas que não são militares, elas perdem capacidade. Enquanto os militares estão fazendo isso, eles perdem nas atividades que não são prioritárias para as Forças Armadas”, afirma Adriana Marques.
Rio de Janeiro
A segurança pública do Rio de Janeiro é uma preocupação tanto para o governo estadual como para o federal. A situação tem se agravado devido à atuação das milícias na capital fluminense e ganhou ainda mais holofotes neste ano com as mortes de três médicos em um quiosque na Barra da Tijuca, no início de outubro.
O aumento da criminalidade no Rio de Janeiro também foi uma questão para o governo de Michel Temer. Em 2018, o ex-presidente assinou um decreto de GLO que autorizou o uso das Forças Armadas no estado fluminense.
A justificativa do governo Temer foi que a permanência do Exército no Complexo da Maré trouxe resultados positivos, uma vez que o crime organizado voltou a dominar as comunidades após a saída dos militares.
Agora, o governo Lula também justifica o uso das Forças Armadas devido ao avanço do crime organizado no Rio de Janeiro. No entanto, o pesquisador Leonardo Ostronoff ressalta que o problema da capital fluminense é a atuação das organizações criminosas dentro do governo, e não nos portos e aeroportos.
“Os militares têm treinamento para a guerra, e essa não é uma situação de guerra. Então, usar desse mecanismo para tentar resolver uma situação como essa só agrava mais o problema, porque aí você entra numa arbitrariedade, você entra em usos da violência, num ciclo de violência, em que só vão causar mais problemas”, enfatiza o pesquisador do NEV.
Apesar da GLO, os governos do Rio de Janeiro e federal têm realizado ações de combate ao avanço da milícia e do crime organizado no estado, com o apoio da Polícia Civil e da Polícia Federal.
No fim de outubro, o miliciano Matheus da Silva Rezende, o “Faustão”, sobrinho de Luís Antônio da Silva Braga, o “Zinho”, morreu em confronto com policiais civis na comunidade Três Pontes, na zona oeste do Rio. Essa ação faz parte de uma tentativa de reprimir a ação da milícia na região.
O que o governo não poderia prever é que a morte de Faustão desencadearia em uma ataque a ônibus no Rio de Janeiro. A ação dos criminosos afetou milhares de cariocas que tentavam voltar para casa após um dia longo de trabalho.
Agora, no começo de novembro, a PF prendeu o miliciano Taillon de Alcântara Pereira Barbosa. Ele era o alvo de criminosos que o confundiram com o médico Perseu Ribeiro Almeida. Perseu e outros três médicos foram alvejados por criminosos na Barra da Tijuca; três morreram e um ficou ferido.
São Paulo
Diferentemente do que ocorre no Rio de Janeiro, em São Paulo o governo federal tem se preocupado com a ação de organizações criminosas nos aeroportos. Os grupos utilizam o grande número de pessoas entrando e saindo do país para o envio de drogas para o exterior, em especial para a Europa.
As goianas Kátyna Baía e Jeanne Paollini ficaram 38 dias presas na Alemanha após terem as suas bagagens trocadas por malas cheias de drogas. O caso chamou a atenção de todo o país, principalmente pela fragilidade da segurança no Aeroporto de Guarulhos, um dos principais do Brasil. De acordo com informações da PF, a troca das bagagens teria sido ordenada por membros do Primeiro Comando da Capital (PCC).
O pesquisador Leonardo Ostronoff esclarece que grupos criminosos de São Paulo são responsáveis por grande parte das drogas que entram e saem do país, mas que, para isso, as organizações contam com o apoio de envio de mercadorias por meio de portos e rodovias.
“Para se fazer o tráfico de drogas, como qualquer produto, você tem uma logística, então você precisa trazer isso dos países produtores, Bolívia, Peru, Colômbia. Isso passa pelo Paraguai, portanto o controle da fronteira do Paraguai é fundamental, sobretudo com o Mato Grosso do Sul e Paraná, e é o PCC que controla essa fronteira já há alguns anos”, expõe Leonardo Ostronoff.
Inteligência
Para o pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, o governo federal precisa investir em ações de inteligência nas fronteiras e rodovias para controlar a entrada e saída de drogas.
“Melhorar o policiamento nas rodovias, dar mais estrutura para essas polícias – e a estrutura não é a arma, é estrutura em termos de inteligência, é estrutura em termos de profissionais melhores remunerados, melhores condições de trabalho para essas polícias. Então, melhorar a fiscalização nas rodovias, trabalhar com mais inteligência e com mais estrutura no sentido dos recursos humanos, numa melhor situação, seria um caminho melhor”, pontua Leonardo Ostronoff, sobre como o governo poderia combater o avanço do tráfico.
Adriana Marques, da UFRJ, afirma que as Forças Armadas já atuam nas fronteiras brasileiras e que a presença delas não trouxe um resultado significativo para a diminuição do tráfico de armas e drogas no país. “O fato de ter atribuído o poder de polícia para as Forças Armadas na área de fronteira não fez com que a entrada de armas e drogas diminuísse significativamente no Brasil”, acrescenta.
Ações afirmativas
A pesquisadora da UFRJ enfatiza que para combater a entrada de drogas no Brasil por meio dos portos, o governo federal tem que começar a estudar a necessidade de criação de uma Guarda Costeira.
“O que não temos no Brasil são organizações que tradicionalmente fazem esse papel. Nós temos que ter uma guarda nacional, uma guarda costeira. Em algum momento, o país vai ter que discutir isso, o que são atribuições das Forças Armadas e de segurança pública”, afirmou Adriana Marques.
O pesquisador Leonardo Ostronoff acrescenta que, em vez de mais uma GLO, o governo federal precisa intervir em ações integradas para evitar o avanço do crime organizado, tanto no Rio como em São Paulo.
“Deixar a população participar e opinar, e parar de pensar a segurança pública apenas como algo militar, como algo apenas policial. Fazer como foi feito em outras instâncias, saúde e educação, democratizar o debate, chamar conselhos e a sociedade civil”, defende o pesquisador.