Garimpo ilegal na Amazônia ameaça romper maior linhão de energia do País
Empresa responsável por rede de Belo Monte diz que atividade irregular pode derrubar torres e provocar apagão de dimensão nacional
atualizado
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O avanço dos garimpos ilegais na Amazônia ameaça, agora, a mais cara e moderna rede de transmissão de energia do Brasil. A rota do crime minerário passa agora embaixo do linhão de 2.076 quilômetros de extensão que distribui a energia da hidrelétrica de Belo Monte, com riscos graves de derrubar suas torres e causar um apagão nacional.
O Estadão teve acesso a uma série de denúncias sobre os garimpos que foram feitas nos últimos meses pela concessionária que controla a linha de transmissão, a Belo Monte Transmissora de Energia (BMTE), empresa que pertence à chinesa State Grid, em parceria com a Eletrobrás. Nos documentos, o presidente da concessionária, Chang Zhongjiao, alerta as autoridades sobre o surgimento de diversos garimpos ilegais debaixo da linha, nos municípios de Marabá, Parauapebas, Itupiranga e Curionópolis, todos no Pará, próximos do local de acesso à hidrelétrica que foi erguida no rio Xingu, em Altamira.
A empresa alerta que os garimpeiros, ao removerem grandes quantidades de terra com o uso de máquinas e jatos de água, comprometem a estabilidade do solo, o que pode levar à queda de uma torre e, assim, paralisar a transmissão de boa parte da energia que alimenta os estados da região Sudeste do País. Em outras palavras, o risco é de um apagão em todo o Brasil, uma vez que essa linha passou a ser um dos eixos centrais do sistema interligado de energia.
Em março de 2018, logo após a linha entrar em operação, uma pane provocou o desligamento da linha e causou um apagão que atingiu as regiões Norte e Nordeste e afetou também Sudeste, Centro-Oeste e Sul do País. Ao todo, 13 Estados foram atingidos, deixando 70 milhões de pessoas sem luz.
Nos últimos meses, o caso foi levado pela empresa aos ministérios públicos federal e estadual, Polícia Civil, Polícia Federal e Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), na tentativa de dar um jeito na situação. O alerta mais recente foi feito no dia 30 de junho, conforme apurou a reportagem. “Reforçamos a nossa preocupação com a desestabilização do solo que vem ocorrendo na região em decorrência da intensa atividade minerária”, afirmou a concessionária, em documento. “Temos reiteradamente solicitado o auxílio das forças de segurança, na tentativa de paralisação imediata da atividade.”
Faixa
Por lei, a concessionária tem o controle de uma faixa de 100 metros de largura, ao longo do traçado de sua linha, o que significa que qualquer operação dentro desse espaço, mesmo que seja legal, têm de obter sua autorização prévia. Os garimpeiros, porém, conforme registros fotográficos feitos nas últimas semanas, não estão muito preocupados com isso.
Em meio à pandemia do coronavírus, a Polícia Federal realizou, no dia 11 de maio, uma ação na região e fez com que os garimpeiros paralisassem as operações. Dias depois, no entanto, eles voltaram aos mesmos locais. “A BMTE vem realizando, frequentemente, inspeções de monitoramento para segurança do empreendimento e, durante estas atividades, constatou o retorno das atividades nas bases das torres de transmissão, o que tem nos preocupado, dado risco de queda destas estruturas e consequente desabastecimento temporário do Sistema Interligado Nacional”, alertou a companhia.
Não há dados precisos sobre a presença de garimpos ilegais na região, mas os registros apontam que o crime tem se expandido na Amazônia. Os municípios que compõem a região da usina de Belo Monte são, historicamente, marcados pela presença de garimpeiros. Como a construção da linha de transmissão abriu muitos acessos na floresta para ser erguida, os garimpeiros têm utilizado, inclusive, esses caminhos para explorar as áreas.
Inaugurado em dezembro de 2017, o linhão de Belo Monte é um dos projetos mais caros e modernos do mundo na área de transmissão de energia, tendo custado R$ 5 bilhões. Seus 2.076 km de extensão saem do Pará e cruzam Tocantins, Goiás e Minas Gerais, até chegar à divisa com São Paulo.
Duas semanas atrás, a Aneel respondeu às denúncias feitas pela concessionária e, em poucas palavras, deixou claro que cabe à empresa resolver o problema. “A garantia da integralidade das instalações de transmissão, bem como a manutenção da faixa de servidão (de 100 metros) é obrigação contratual da transmissora, que deve adotar todas as providências necessárias para resolução da questão apresentada”.
Questionada sobre o assunto pela reportagem, a BMTE informou, por meio de nota, “que já comunicou a situação relatada aos órgãos competentes”. A empresa declarou que “é uma concessionária de serviço público e trabalha sempre prezando pela integridade dos seus funcionários e pela infraestrutura de suas instalações, que fornecem um serviço essencial à população brasileira”.
O Estadão também procurou ainda a Aneel, o Ministério de Minas e Energia, a Agência Nacional de Mineração e o MPE para comentarem o problema. A Aneel disse que não se manifestaria e os outros órgãos não responderam aos questionamentos da reportagem.