Garimpeiros se candidatam e querem dominar cidades do ouro na Amazônia
Eleições 2024 têm 58 candidatos que se definem garimpeiros. A maioria deles concorre em cidades da Amazônia com histórico de garimpo ilegal
atualizado
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A disputa eleitoral em cidades de crescente garimpo ilegal na Amazônia ganhou uma nuance a mais nos últimos pleitos e que se repete nas eleições deste ano: a investida de garimpeiros que se candidatam a prefeito ou a vereador para ampliar o domínio na política local.
Conforme os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), este ano serão 58 candidatos no Brasil que se dizem, abertamente, garimpeiros. A maioria deles disputa em cidades da Amazônia Legal e que são alvos recorrentes de operações policiais contra o garimpo na floresta.
Em Jacareacanga (PA), conhecida hoje como uma das capitais do ouro ilegal na Amazônia, além de um candidato a prefeito e outro a vice, que estão na mesma chapa, existem, ainda, outros cinco garimpeiros que se candidataram a vereador.
O município do oeste do Pará é onde fica a terra indígena Munduruku, às margens do Rio Tapajós. Ao lado de Itaituba (PA), Jacareacanga é hoje uma das cidades com a maior área minerada do país. E, apesar de todo o ouro extraído, algo como 80 kg por semana, a localidade está entre as 10 com pior qualidade de vida do Brasil.
Em Curionópolis, também no Pará, as eleições deste ano terão dois garimpeiros candidatos, um a prefeito e outro a vereador. Pelo nome, poucos identificam, mas a cidade é onde fica Serra Pelada, o maior garimpo a céu aberto do mundo.
Veja as cidades da Amazônia Legal com mais garimpeiros candidatos:
Candidato fez lobby em Brasília a favor do garimpo
João Francisco Siqueira Dutra, conhecido como Joãozinho da Serra Pelada (PL), é o garimpeiro candidato a prefeito em Curionópolis. Com um forte discurso em favor da legalização do garimpo ilegal, ele já fez lobby em Brasília à favor da atividade.
“Vamos acabar com essa sacanagem de queimar máquina do garimpeiro. O culpado de tudo isso é a Vale! Fiquem espertos que nós vamos parar o projeto de vocês. (…). É o garimpo que movimenta a economia do município”, defendeu em um vídeo publicado nas redes sociais.
Em outro post na internet, Joãozinho aparece ao lado do deputado federal Joaquim Passarinho (PL-PA), defensor dos garimpeiros no Congresso Nacional e presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE).
O apelido Serra Pelada é porque João nasceu na região. Ele tem 33 anos de idade e já prestou serviço para a Minas Salobo Metais, braço da Vale que extrai cobre na região de Marabá, cidade vizinha a Curionópolis.
Nos últimos anos, além do lobby em Brasília e do discurso favorável à legalização do garimpo, ele passou a atacar a ex-contratante Vale, que possui autorização para a extração de minério.
Indígena e garimpeiro na mesma chapa em Jacareacanga
Em Jacareacanga, a chapa dos garimpeiros é formada pelo ex-prefeito da cidade Raimundinho (Podemos) e pelo candidato a vice, Thomaz Boro, que é indígena da etnia Munduruku. Os dois se declaram garimpeiros, conforme os dados do sistema do TSE.
Essa mistura entre indígenas e garimpeiros pode gerar certo estranhamento, mas é o que revela a complexidade do caso em determinados locais. “Esse é o problema de romantizar o indígena ou o garimpeiro. A coisa é muito mais complexa”, avalia o pesquisador Rodrigo Chagas.
Professor do grupo interdisciplinar em fronteiras da Universidade Federal de Roraima (UFRR), ele explica que a relação da exploração de minérios na Amazônia Legal foi incentivada durante a Ditadura Militar do Brasil e criou-se um problema de difícil solução que continua até hoje.
Após a redemocratização e com a nova Constituição Federal, que prevê maiores direitos aos povos indígenas, os milhares de garimpeiros que foram incentivados a explorar minérios na região caíram na ilegalidade e foram se transformando em uma base política. Hoje, eles não só invadem e exploram terras ilegalmente, mas também fazem cooptação de integrantes das comunidades locais.
“Não me espanta que a maioria dos candidatos garimpeiros esteja na Amazônia e não me espanta que eles consigam muitos votos”, diz Chagas.
Em agosto de 2020, o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi recebido em Jacareacanga (PA) por manifestantes indígenas da etnia Munduruku em defesa da legalização de garimpos ilegais.
Presença forte de garimpeiros políticos no Pará
Entre os estados da Amazônia Legal, o Pará lidera com o maior número de garimpeiros candidatos nas eleições deste ano. Além de Jacareacanga e Curionópolis, existem, ainda, registros de candidaturas em Ourilândia do Norte e Novo Progresso.
O relatório “A Nova Corrida do Ouro na Amazônia: Garimpo Ilegal e Violência na Floresta”, divulgado em março deste ano pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revela um contexto diferenciado no Pará, aprovado em 2021 e que ajuda a explicar o porquê do interesse político de garimpeiros.
“O estado é o único da Amazônia Legal onde o ato de licenciamento ambiental para concessão da Permissão de Lavra Garimpeira é de responsabilidade dos órgãos ambientais municipais, e não dos estaduais. São, portanto, as Secretarias Municipais do Meio Ambiente dos municípios onde estão localizadas as lavras garimpeiras que emitem a concessão do licenciamento, que deve abranger o planejamento, a instalação e a operação do garimpo”, diz o texto do relatório.
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Essa situação gerou conflito jurídico imediato. O Ministério Público Federal (MPF) entende que os prejuízos do garimpo não se restringem ao município e recomendou que o estado anulasse a resolução, além de indicar que os órgãos federais continuem agindo nas cidades paraenses e não reconheçam as licenças ambientais.
Só em 2023, segundo o delegado da PF de Santarém (PA), João Rotilho Moura Azevedo Costa, foram desencadeadas 11 operações ostensivas na região. Ao todo, os agentes inutilizaram 454 maquinários de garimpo ilegal, cumpriram 50 mandados judiciais e apreenderam 219 kg de ouro.
Avanço das candidaturas de garimpeiros no Mato Grosso
Ao lado do Pará, o Mato Grosso é o estado da Amazônia Legal que também se destaca pelo número de candidaturas de garimpeiros. Na cidade de Peixoto de Azevedo, são quatro concorrentes – um a prefeito e três a vereador.
O município é conhecido como a capital da extração do ouro no Mato Grosso e também já foi alvo de operações da PF contra a extração ilegal de minérios. O garimpeiro candidato a prefeito é Paulo Cezar Dendena, o Paulinho do Posto (MDB).
Em um vídeo recente de campanha, publicado nas redes sociais, ele defende a atividade, a categoria e diz que mais de 60% da economia do município depende do garimpo:
“Temos que valorizar essa profissão aqui, de garimpeiro. É disso que eu vivo hoje. mais de 60% da economia vive disso, por isso a gente tem um projeto bacana com a Secretaria de Mineração e com toda a nossa classe garimpeira. Por isso, vamos fortalecer cada vez mais. A vocação de Peixoto é o garimpo”, diz ele.
Veja abaixo a distribuição de candidaturas de garimpeiros por estado. A maioria delas está em locais da Amazônia Legal: