“Gafes” com teor nazista do governo geram repúdio no Brasil e exterior
Veja a longa lista de episódios em que membros do governo e até o presidente sofreram críticas por supostos flertes com o nazifascismo
atualizado
Compartilhar notícia
Entidades ligadas à defesa da memória judaica protestaram contra Filipe Martins, assessor da Presidência da República, por ele ter usado uma aparição na TV para fazer um gesto supostamente ligado a grupos racistas. As reclamações engrossam a lista de “gafes” de membros do governo brasileiro – ou apoiadores próximos – com a simbologia nazifascista, que já provocaram repúdio de organizações, partidos e jornais nos Estados Unidos, Alemanha e Israel.
Para especialistas, os episódios, além de preocupantes, abalam a relação de proximidade que o presidente Jair Bolsonaro e seu entorno tentam criar com os israelenses.
Veja falas e atos de membros do governo que atraíram protestos:
Nazismo “de esquerda”
As polêmicas com ideologias de extrema-direita começaram cedo no governo. Em março de 2019, o chanceler Ernesto Araújo disse que os regimes totalitários do fascismo italiano e do nazismo alemão foram de esquerda.
Perguntado sobre o assunto no mês seguinte, durante viagem a Israel, o presidente Jair Bolsonaro reforçou: “Não há dúvida. Partido Socialista… como é que é? Da Alemanha… Partido Nacional Socialista da Alemanha. Não há dúvida [que era de esquerda]”, disse ele à reportagem do Metrópoles.
O Deutsche Welle Brasil registrou, na época, que políticos de todos os partidos que compõem o Parlamento alemão condenaram as declarações de Bolsonaro e do ministro das Relações Exteriores.
“Os nazistas já usavam conscientemente a distorção política como instrumento da sua propaganda fascista. O fato de Jair Bolsonaro se apoiar nesta mentira é um ultraje nojento às vítimas do nazismo”, afirmou a deputada Yasmin Fahimi, presidente do Grupo Parlamentar Teuto-Brasileiro no Bundestag (Parlamento alemão).
Weintraub reincidente
Em outubro de 2019, o então ministro da Educação Abraham Weintraub, cristão com família de origem judaica, fez uma postagem comparando o terror nazista a uma agressão ocorrida na Universidade de São Paulo (USP). Também aproveitou para relacionar o ditador nazista Adolf Hitler ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em maio de 2020 ele voltou ao tema ao reclamar de uma operação da PF contra militantes bolsonaristas no inquérito das fake news no STF. Weintraub disse que a operação era uma “Noite dos Cristais brasileira”, em referência à violência patrocinada pelo regime nazista contra judeus alemães em novembro de 1938.
O cônsul-geral de Israel em São Paulo, Alon Lavi, fez duras críticas à comparação. “O Holocausto, a maior tragédia da história moderna, onde 6 milhões de judeus, homens, mulheres, idosos e crianças foram sistematicamente assassinados pela barbárie nazista, é sem precedentes. Esse episódio jamais poderá ser comparado com qualquer realidade política no mundo”, protestou.
Joseph Goebbels na Cultura
“A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes do nosso povo, ou então não será nada”, proclamou, em janeiro de 2020, o então secretário da Cultura do governo federal Roberto Alvim.
Era uma colagem de discurso do ministro da Propaganda de Adolf Hitler, Joseph Goebbels. O episódio também provocou o repúdio de entidades que representam os judeus e custou o emprego a Alvim.
Ernesto e os campos de concentração
O ministro Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, comparou, em abril de 2020, as medidas de distanciamento social aos campos de concentração nazistas.
“Os comunistas não repetirão o erro dos nazistas e desta vez farão o uso correto. Como? Talvez convencendo as pessoas de que é pelo seu próprio bem que elas estarão presas nesse campo de concentração, desprovidas de dignidade e liberdade”, escreveu o chanceler. A comparação ecoou entre judeus do mundo todo e foi criticada em Israel e nos EUA.
O Comitê Judaico Americano, uma das principais organizações de defesa dos direitos e interesses da comunidade judaica nos EUA, exigiu um pedido de desculpas de Araújo — que não veio.
O brasileiro preferiu dizer que a entidade não soube interpretar seu texto. “Esta analogia é, ao mesmo tempo, profundamente ofensiva e completamente inadequada. Ele deveria pedir desculpas imediatamente”, disse a organização em um comunicado.
Copo vazio
Em maio de 2020, o presidente Jair Bolsonaro tomou um copo de leite puro em uma transmissão pela internet. Oficialmente, era apoio a um desafio proposto pelo Ministério da Agricultura, mas especialistas em movimentos totalitários apontaram, na época, que o copo de leite era um dos símbolos usados por grupos supremacistas brancos norte-americanos. Os mesmos grupos que usam o gesto feito por Filipe Martins na última quarta-feira (24/3).
Dia de leão
Em junho, o presidente voltou a polemizar ao publicar vídeo em que um italiano cita frase famosa dita pelo ditador italiano Benito Mussolini: “É melhor viver um dia como um leão, que cem como um cordeiro”, que também já foi postada pelo ex-presidente dos EUA Donald Trump.
De novo na Cultura?
Em março deste ano, o secretário de Cultura Mário Frias comparou medidas de isolamento contra o coronavírus com o Holocausto, postando um trecho do filme A Lista de Schindler.
Até quando?
A quantidade de episódios motivou uma postagem do Museu do Holocausto de Curitiba que fez sucesso depois do gesto de Filipe Martins.
É estarrecedor que não haja uma semana que o Museu do Holocausto de Curitiba não tenha que denunciar, reprovar ou repudiar um discurso antissemita, um símbolo nazista ou ato supremacista. No Brasil, em pleno 2021. São atos que ultrapassam qualquer limite de liberdade de expressão
— Museu do Holocausto (@MuseuHolocausto) March 25, 2021