Funcionários relatam assédio moral na Ouvidoria do Ministério da Saúde
Maioria dos relatos se refere à gestão passada, mas “assediadores” continuariam no órgão. MPT emitiu uma série de recomendações à pasta
atualizado
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O Ministério Público do Trabalho (MPT) recomendou que o Ministério da Saúde adote, de forma imediata, providências para impedir a prática de assédio moral na Ouvidoria da pasta. A recomendação, emitida em agosto deste ano, ocorreu após denúncia feita em fevereiro. Com a falta de resposta do ministério, a mesma orientação foi expedida novamente em 17 de outubro, com prazo de 45 dias para resposta.
O Metrópoles ouviu quatro fontes que passaram ou seguem na Ouvidoria do Ministério da Saúde. Elas relatam ambiente de constantes assédios por um grupo específico que está no departamento há mais tempo que os demais. A maior parte dos casos ocorreu até o fim do ano passado, mas, conforme afirmam, situações como perseguições permaneceram neste ano.
Em nota, o Ministério da Saúde comunicou que “não pactua com esse tipo de conduta profissional” e que “trabalha na reorganização e qualificação da estrutura” da Ouvidoria. A pasta acrescentou que respondeu à recomendação do MPT e que enviará informações complementares dentro do prazo (leia mais abaixo).
Alguns dos funcionários apontados como assediadores, de acordo com os relatos, continuam lotados na Ouvidoria, justamente o departamento que funciona como o canal de entrada de denúncias da pasta, incluindo de assédio, e que também faz a análise preliminar das queixas.
Na recomendação, o MPT diz que o ministério não deve admitir assédio moral no setor de Ouvidoria e frisa que a pasta deve promover o fim imediato da “prática de qualquer conduta enquadrada como assédio moral” contra seus empregados, servidores e terceirizados.
O órgão fiscalizador cita situações como “perseguir, humilhar ou destratar (inclusive por gritos ou ofensas)” e diz que o ministério deve impedir que funcionários sejam submetidos a exigências de tarefas abaixo ou acima das suas qualificações profissionais.
A reportagem ouviu relatos de discussões acaloradas com mesa esmurrada, em janeiro deste ano, e perseguições. Duas servidoras chegaram a ser afastadas em 2023 por problemas de saúde mental e, após retorno, foram remanejadas para outros departamentos do ministério.
“A inquirida também deve adotar medidas efetivas de prevenção e combate ao assédio moral (tais como realizar palestras e fazer cursos sobre o tema assédio moral, instituir um canal de denúncia e de busca ativa acerca de situações de assédio)”, pediu o MPT, que em setembro abriu inquérito civil para apurar os fatos.
As pessoas ouvidas pela reportagem pediram anonimato por medo de retaliação. A maioria dos relatos se refere a casos anteriores, ainda sob a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, mas existem situações observadas neste ano.
Um funcionário do Ministério da Saúde ouvido garantiu que os casos continuam e que estão ainda piores. A única mudança, segundo o colaborador, foi na quantidade de palestras sobre o tema.
Esses funcionários apontados como assediadores não são servidores da pasta – trata-se de bolsistas da Fundação de apoio à Fiocruz (Fiotec) que atuam na Ouvidoria via contratos entre o ministério e a fundação.
A reportagem ouviu relatos de pessoas que passaram pela pasta desde 2018. Elas apontam que o cenário de assédio sempre foi presente, cometido por um grupo de colaboradores que está na Ouvidoria há algum tempo.
Essas informações também foram coletadas pelo MPT, que observou, após atos instrutórios, a ocorrência de assédio coletivo, com a “prática sistemática de assédio moral organizacional” no âmbito da Ouvidoria.
Os assédios cometidos, segundo fontes, consistiam em perseguição de novos funcionários que propunham medidas diferentes, como acelerar a análise de manifestações de cidadãos e acabar com as demandas represadas. Entre as vítimas, estão inclusive servidores em cargos de coordenação. A Ouvidoria-Geral do SUS, no âmbito federal, tem 96,6 mil manifestações pendentes que já estão fora do prazo de resposta.
Um servidor do ministério ouvido pela reportagem disse que, com a mudança de governo, um grupo de pessoas começou a promover campanha de difamação contra outros funcionários (bolsistas) que acabaram demitidos, ainda em janeiro. A informação foi confirmada por outros três ex-funcionários da pasta.
Todo esse cenário apontado é corroborado por dados computados pela Controladoria-Geral da União (CGU): o Ministério da Saúde é, em 2023, o órgão da esfera federal com o maior número de denúncias de assédio moral e sexual. Foram, até o momento, 391 denúncias, comunicações ou reclamações envolvendo o assunto.
Em janeiro, houve a demissão da então ouvidora-geral do Sistema Único de Saúde (SUS), Soemes Castilho. Maria Moro assumiu o cargo, mas foi exonerada a pedido em agosto. Desde então, está no posto como ouvidora substituta Aíla Vanessa David de Oliveira Sousa, que é também diretora de programa da Secretaria-Executiva.
Não houve nomeação de novo ouvidor, cargo que tem mandato e que precisa passar pela aprovação da CGU. O ministério disse ao Metrópoles que já foi dado início ao processo de nomeação, em caráter definitivo, do novo ouvidor.
A Ouvidoria é uma área importante porque é a responsável por receber manifestações dos cidadãos e dar respostas. Os departamentos também atuam com os pedidos de Lei de Acesso à Informação (LAI), garantindo transparência.
Outro lado
Em nota, o Ministério da Saúde pontuou que tem adotado medidas na Ouvidoria, como desligamentos para “renovação da gestão, recomposição de equipe e adoção de melhorias da condição de trabalho dos colaboradores”.
Entre as iniciativas voltadas à reestruturação da Ouvidoria, a pasta lançou no último dia 6 um sistema que unifica as Ouvidorias de estados e municípios, alegando que isso melhora o tratamento dado às denúncias. Até o momento, 560 dos 5.565 municípios aderiram à nova ferramenta.
O ministério frisou, ainda, que firmou novo contrato para o Disque 136 (canal que recebe reclamações e denúncias sobre o serviço do SUS).
“Também está em curso a atualização do parque tecnológico de hardware e software para melhorar a gestão das críticas, denúncias e sugestões da população e as condições de trabalho dos servidores da Ouvidoria”, informou.
A pasta ressaltou que “integra o grupo de trabalho interministerial para a elaboração de um plano de enfrentamento ao assédio e discriminação na administração pública federal, instituído em julho deste ano”.
“A iniciativa tem como finalidade desenvolver orientações e diretrizes de saúde física e mental, prevenção do assédio e da discriminação e a promoção de relações saudáveis e respeitosas no ambiente de trabalho”, afirmou.