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Fugindo da fome, pais mandam os filhos de volta à escola em SP

Na pandemia de Covid-19, pais e mães enfrentaram dilemas até decidirem que os filhos voltariam a ter aulas presenciais

atualizado

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Arte: Freepik, Marcos Garcia/Metrópoles
Criança com máscara escreve em caderno
1 de 1 Criança com máscara escreve em caderno - Foto: Arte: Freepik, Marcos Garcia/Metrópoles

São Paulo – João Vitor Cadillo, 42 anos, não sabe o que é comprar carne vermelha há meses. Desempregado, o ambulante peruano que vive no Brasil há mais de 20 anos tomou, ao lado da esposa, uma decisão difícil: preparar Bruna, a filha de 11 anos, para voltar às aulas presenciais em meio à pandemia.

Além de se preocupar com a falta de adaptação com o ensino a distância, ele teme pela alimentação da primogênita, que está na pré-adolescência. Bruna tem ido a uma escola estadual na periferia de Franco da Rocha, na Grande São Paulo, uma vez por semana, das 7h às 12h30. Lá, ela se serve de pão com manteiga e leite com achocolatado no café da manhã. No almoço, come macarrão.

“Ela precisa se alimentar direitinho, está em fase de crescimento. Lá [na escola] eles fazem uma comida saudável”, diz o pai. Antes de levar comida para casa, Cadillo analisa os preços dos alimentos em folhetos de supermercado e vai ao estabelecimento que oferece menor preço. Aos domingos, compra verduras, legumes e peixes mais baratos em uma feira, a popular xepa.

No entanto, essa escolha vem acompanhada de medo. Cadillo tem outra filha, Larissa, de 4 anos, que deve retornar às aulas presenciais em março, quando os pais forem comunicados pela direção da instituição. “Fico preocupado pela doença, por tudo que a gente está passando. Converso com sempre com ela [Bruna]. Mando três máscaras por dia, álcool em gel, ela vai preparada. Minha filha precisa estudar, evoluir e comer bem.”

Faltou merenda

O governo de São Paulo, sob a gestão João Doria (PSDB), determinou a reabertura das escolas estaduais a partir de 1º de fevereiro. Uma das prerrogativas do governador tucano para o funcionamento de mais de 5,3 mil instituições de ensino era a oferta de merenda para 770 mil alunos vulneráveis. Já as aulas na capital paulista reiniciaram em 15 de fevereiro, conforme estabelecido pelo prefeito Bruno Covas (PSDB).

A autônoma Cristiane Aparecida, 32, deixou os filhos Yan, 14, e Diego, 9, prontos para encontrarem os professores depois de quase um ano. Ela conta que a distribuição de merenda pesou na decisão. No entanto, foi surpreendida quando ouviu das duas crianças que nenhuma refeição foi servida na primeira aula. Eles estudam em escolas diferentes da rede estadual na região de São Miguel Paulista, zona leste.

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Caroline e os filhos Arthur e Miguel
João Vitor Cadillo e a filha Bruna
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Cristiane e os filhos Yan, Diego e Cristian

Arquivo pessoal
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Caroline e os filhos Arthur e Miguel

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João Vitor Cadillo e a filha Bruna

Arquivo pessoal

Enquanto o primeiro ganhou um suco de caixinha e um bolinho, o segundo não recebeu nada. Yan estuda das 13h às 18h35, e Cristian das 13h às 15h45. Após três semanas nessa situação, as crianças puderam se servir de um prato com arroz, carne vermelha e maçã de sobremesa, diz a mãe. Cristian, 6, deve retornar à escola na primeira semana de março.

Antes da pandemia, Cristiane relata que nunca passou por um problema do tipo. “Se o governo quer que as crianças voltem à escola, ainda sem vacinar os professores, tem de oferecer uma refeição de qualidade. Se a criança não estiver bem alimentada, ela não vai ter forças para estudar. Não vai aprender, é tempo perdido.”

Luto pela Covid-19

Para Caroline Vicente, 31, optar pelas aulas presenciais foi mais difícil do que pensava. Em suas redes sociais, ela publicou um texto-desabafo em que refletia sobre os obstáculos que os filhos Arthur, 11, e Miguel, 8, enfrentaram no período de ensino on-line. Eles sentiram falta dos amigos, professores, não se adaptaram ao ensino a distância, mas houve um complicador maior.

No período de pandemia, eles perderam a bisavó para a Covid-19 e torceram pela recuperação do avô, que ficou internado em uma unidade de terapia intensiva (UTI), por quase dois meses. “As crianças ficaram mais agitadas, o Arthur sentiu mais a perda da bisavó, perguntava se ele nunca mais ia voltar a estudar. Eles ficaram tristes, e eu falei que ia correr esse risco por eles”, diz.

Caroline, que é entrevistadora de call center desempregada, leva e busca os pequenos três vezes por semana. As conversas sobre proteção contra o coronavírus são constantes. Dessa forma, ela conta que a escola de Miguel, da rede estadual, reabriu com reformas em andamento, com áreas internas interditadas. “Eles têm ido mais pelo lado psicológico mesmo. Eu conto os minutos para buscá-los.”

O que o governo diz

Em nota ao Metrópoles, a Secretaria Estadual de Educação disse que as escolas têm oferecido refeição normalmente. “A Diretoria Regional de Ensino esclarece que, na Escola Estadual Doutor Diogo de Faria, os alunos têm recebido as refeições diariamente desde o dia 1º de fevereiro, quando as unidades reabriram para ofertar alimentação aos estudantes. Nesta quarta-feira (24/2), por exemplo, o cardápio foi arroz com strogonoff de frango, servido a mais de 100 alunos”, afirma.

“Na EE Francisco Pereira de Souza Filho, a merenda manipulada tem sido oferecida no período da manhã. A partir do dia 1º/3, ela também será ofertada no período da tarde, com a chegada de uma nova funcionária. Vale ressaltar que os estudantes em situação de vulnerabilidade podem se cadastrar por meio do SED – Secretaria Escolar Digital, ou diretamente na escola, e consumir a alimentação pela manhã, além da merenda não manipulada oferecida à tarde”, completa.

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