Fuga: filho de Olavo orientou jovem a jogar celular no rio. Ouça
Polícia resgatou a jovem em local insalubre, no Paraguai. Família suspeita que estudante tenha sido aliciada desde a adolescência
atualizado
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Áudios obtidos com exclusividade pelo Metrópoles mostram que Tales de Carvalho, de 50 anos — um dos filhos do guru da extrema direita Olavo de Carvalho, morto em 2022 — mandou uma estudante goiana de 19 anos fugir para desrespeitar decisão judicial e jogar o celular dela fora, dentro de um rio, no momento em que ela foi alvo de operação policial de resgate.
“Não volta para casa com esse celular aí, não. Você sabe que esse celular vai para o lixo. Joga no rio antes de chegar em casa”, afirmou ele, em áudio enviado à jovem no WhatsApp, na manhã do dia 14 de março. Isso ocorreu horas depois da operação de resgate realizada na casa de um dos irmãos de Tales, Luiz Gonzaga de Carvalho, na cidade de Presidente Franco, no Paraguai.
Ouça o áudio:
A jovem, que era tratada pelos pais como desaparecida, foi resgatada depois que a defesa da família identificou a localização dela em uma casa no Paraguai e compartilhou as informações com a Justiça brasileira, que mandou emitir alerta para a Interpol, a Polícia Federal e as autoridades internacionais, no início deste mês.
Em outro trecho do áudio, Tales incita a fuga. “Se eu estivesse na sua situação, eu sei o que faria. Eu acho que você não tem coragem para fazer, que é fugir. Eu fugia mesmo. Eu te mandava dinheiro aí, e você fugia. Só que, com esse celular seu aí, você não pode fugir”, disse.
Segundo os advogados da família, a jovem teria fugido de casa, em Catalão, no sudeste de Goiás, para ser a quarta esposa de Tales. Desde o dia 16 de janeiro, ela passou a evitar conversar com os pais, dizendo que tinha se convertido ao islamismo e casado com Tales, que vivia em Curitiba (PR).
Fuga com líder espiritual
De acordo com a mãe, uma professora da rede pública estadual de Goiás, a jovem começou a ter interesse por vídeos e cursos de Olavo de Carvalho nas eleições de 2018, quando ela tinha 13 anos.
A jovem, que cursava Letras na Universidade Federal de Goiás (UFG) em Catalão, começou a interagir virtualmente com o filho do guru conservador. A família descobriu esse contato após conseguir acessar as redes sociais da filha.
“Ela fazia muitas lives (transmissões ao vivo). Eu chegava perto e ela tirava da tela”, conta a mãe da jovem.
Tales se apresenta como presidente do Instituto Cultural Lux Et Sapienti (ICLS), que oferece cursos de formação on-line sobre filosofia, cosmologia e simbolismo. Alguns deles são voltados exclusivamente para mulheres. A família suspeita que a estudante foi aliciada por ele desde a adolescência, por meio do curso. Luiz Gonzaga também é do ICLS.
A reportagem apurou que a jovem recebeu Pix para custear a fuga até Goiânia, de onde seguiu para a capital paranaense para encontrar Tales, pessoalmente, pela primeira vez. Eles fizeram uma cerimônia própria de casamento, e a jovem passou a usar uma aliança. Após a fuga, Tales se negou a passar o endereço de onde o casal estava.
Comprovantes bancários mostram que os valores foram enviados, mediante Pix, por contas bancárias de duas mulheres que Tales chama de esposas e que, segundo a defesa da jovem, são usadas como laranjas por ele. De Curitiba, a jovem de Goiás foi para a cidade do Paraguai, na companhia de uma adolescente, filha de Tales.
Ambiente insalubre
O advogado da família, Alexandre Lourenço, ex-chefe da Polícia Civil de Goiás, relatou que o ambiente onde a jovem estava no Paraguai era bastante degradado e sujo, e a estudante dormia no chão. No local, estava também a filha adolescente de Tales, Luiz Gonzaga e a esposa do irmão.
“Era uma casa muito fechada e segura, com vidros com película escurecida. É importante que uma investigação seja feita pela polícia.” Forças de segurança do Paraguai realizaram o resgate e entregaram a jovem para a Polícia Federal (PF) na fronteira.
A mãe da estudante relatou à reportagem que, após o resgate, a filha contou que as pessoas que viviam na casa tinham uma rotina noturna: dormiam durante o dia e jogavam cartas à noite. Tales e a jovem se declaram islâmicos.
Em entrevista para a revista Época em 2019, uma das filhas de Olavo de Carvalho, Heloísa de Carvalho, relatou que o pai já foi adepto de uma seita islâmica e chegou a ter três esposas ao mesmo tempo. Na época, ela disse que Tales e Luiz eram de uma vertente esotérica do islã.
Professor da UFG e advogado da família da jovem que estava desaparecida, Pedro Sérgio defende que os fatos demandam investigação.
“Nos áudios, ele fala para a jovem jogar o telefone fora, porque vai ser rastreada. Além disso, Tales muda de endereço com frequência. Então, por que ele se esconde? Essa é uma pergunta importante. Por que ele não pode ser rastreado?”, questionou o advogado.
Abuso psicológico
A mãe da jovem disse ao Metrópoles que a família não é contra o islamismo ou o relacionamento com pessoas mais velhas, mas entendem que se trata de um caso de abuso psicológico, visto que a estudante foi aliciada desde a adolescência para quebrar os vínculos com os familiares e viver isolada com esse grupo.
“Eu me sinto muito triste. Considero isso um crime. As leis do nosso país não têm um olhar para esse tipo de crime, que é psicológico. Acredito que minha filha não seja a única que está passando por isso. Outras famílias podem estar sendo destruídas. Estamos sofrendo bastante.”
A família da jovem vive em Ipameri, e ela morava em Catalão. Após a comunidade ajudar a família a conseguir advogados, no dia 9 de março, a desembargadora Lília Mônica de Castro Borges Escher determinou que a polícia localizasse a estudante para que ela se apresentasse diante de um juiz e um psicólogo forense.
Depois de resgatada no Paraguai, a jovem foi internada após orientação psiquiátrica por risco de suicídio, história pessoal de autoagressão e transtorno dos impulsos. Em mensagem enviada após o resgate pela polícia, Tales diz que a estudante deve ser boazinha e fazer tudo que mandarem.
Outro lado
Ao Metrópoles o advogado de Tales de Carvalho, Frank Romualdo Reche Maciel, defendeu que o pai da jovem tem vazado trechos de áudios avulsos, selecionados e retirados de contexto.
“Tales sugeria à esposa que se livrasse do aparelho depois de ela lhe ter pedido algum conselho a respeito, por imaginar que seu pai estivesse monitorando seu celular com o auxílio de algum hacker”, justificou o advogado.
Em nota, o advogado disse que o pai da estudante a trata como louca e não respeita a autonomia afetiva e religiosa da jovem.
“Ela nunca esteve desaparecida. Apenas estava evitando contato com o pai, que parece ainda não ter compreendido que sua filha já é uma mulher adulta e independente. Ressalte-se que se encontra na companhia do pai por vontade própria e na esperança de acalmá-lo, apesar de suas insistentes tentativas de infantilizá-la e tratá-la como louca”, escreveu.