Fragmentada, oposição ao governo Lula ainda busca tom e lideranças
Ida de Bolsonaro aos EUA e fragmentação partidária pesaram contra a oposição, que colheu derrotas neste início de governo Lula
atualizado
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As vitórias que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) colheu no Congresso desde antes de assumir, com a PEC da Transição, e na posse da nova legislatura, com a reeleição de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) para a presidência do Senado, mostram que a oposição, apesar de volumosa, ainda não consegue se organizar a ponto de causar problemas mais sérios para o Poder Executivo.
Com o início dos trabalhos legislativos nesta semana, as forças políticas que se contrapõem ao governo devem tentar se organizar para mudar esse cenário, mas ainda falta um tom mais claro e mesmo nomes que possam antagonizar com o petista e construir alternativas para as eleições municipais de 2024 e nacionais de 2026.
A primeira aposta política mais concreta para enfrentar o governo, que era ter o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como líder da oposição, não funcionou até agora. Longe do Brasil e preocupado com o cerco judicial contra ele e seus aliados, Bolsonaro pouco falou ou apareceu desde que foi derrotado, em novembro do ano passado, e foi infeliz nas poucas iniciativas que tentou, como a de eleger seu ex-ministro Rogério Marinho (PL-RN) como presidente do Senado.
Uma oposição fragmentada
Os políticos que estão fora da influência do governo Lula, porém, vão além dos que se identificam com o bolsonarismo. Vários grupos vão disputar o protagonismo na oposição, avalia o cientista político Rui Tavares Maluf, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
De acordo com o especialista, o desempenho do governo em áreas sensíveis, principalmente na economia, será determinante para sabermos se opositores vão conseguir mais relevância e espaço no debate público.
Os aliados mais próximos do ex-presidente Bolsonaro conseguiram largar na frente no quesito visibilidade, ao assumirem seus mandatos com cartazes e adesivos contra Lula. No entanto, Tavares Maluf afirma que o perfil radicalizado desses parlamentares pode levá-los a um isolamento político, sobretudo diante da identificação de alguns com atos antidemocráticos, como a depredação das sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro.
“A derrota contundente da oposição na reeleição de Pacheco indica que o caminho deles não será fácil, mas a disputa política está ainda apenas esquentando. Teremos uma chance de ver se os opositores vão conseguir começar a se organizar melhor quando houver as eleições para a liderança das comissões permanentes da Câmara e do Senado, o que deve ocorrer depois do Carnaval”, afirma Tavares Maluf.
Quem disputa espaço
O cientista político avalia que grupos políticos da centro-direita que foram eclipsados pelo bolsonarismo nos últimos anos, como o PSDB, vão se esforçar para retomar relevância e tentar se colocar como opção ao lulo-petismo. “Vamos ver como vai se sair o [governador reeleito do Rio Grande do Sul] Eduardo Leite, que assume a presidência de um partido que vem se esfarelando, mas tem apelo histórico e conseguiu conquistar três governos estaduais importantes. Se conseguirem sair do ciclo de crise interna, os tucanos têm condições de reocupar um espaço ao centro”, afirma Tavares Maluf.
Outros dois governadores de estados grandes despontam como candidatos a liderar algum tipo de oposição: Tarcísio Freitas (Republicanos) em São Paulo e Romeu Zema (Novo) em Minas Gerais.
“Tarcísio tem mostrado disposição para não se limitar a uma imitação de Bolsonaro e buscado um diálogo mais amplo. Ele ainda conta com o relevante apoio da base social bolsonarista, mas trabalha para não ser controlado por ela”, afirma o especialista.
“Já o Zema parece, em princípio, ter até mais condições políticas de almejar uma candidatura nacional, por já estar no segundo mandato como governador e por ter o que mostrar. Afinal, ele encaminhou bem uma situação fiscal complicada em Minas, mas ainda terá que se provar e mostrar que conseguirá atuar bem politicamente para fora dos limites estaduais. Tanto para ele quanto para Tarcísio, a capacidade de fazer política vai depender do tamanho dos problemas administrativos locais que eles terão de enfrentar. Não é fácil, porque estar na política de Brasília dá mais visibilidade”, completa Tavares Maluf.
Entre os congressistas de oposição que já despontam como opções, estão dois nomes que participaram do governo Bolsonaro e vão disputar o legado de sua base social: os senadores Sergio Moro (União Brasil-PR) e Hamilton Mourão (Republicanos-RS).
Futuro incerto para o bolsonarismo
Identificado com o golpismo e enfrentando muitos problemas com a Justiça, o bolsonarismo deverá minguar nos próximo meses, avalia o cientista político Francisco Fonseca, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Para ele, isso deverá abrir espaço para o crescimento de outros setores da direita. “Temos vários grupos na direita para além dos bolsonaristas, como os conservadores e os neoliberais, que se juntam a depender das circunstâncias, mas que muitas vezes divergem entre si”, afirma ele.
“O bolsonarismo como força de oposição vai minguar, ainda que tenha eleito até bastante gente, porque precisa de uma liderança forte – e não tem mais. Bolsonaro está ausente e seu grupo de aliados só colhe problemas, sendo os últimos a repercussão da tragédia Yanomami e as revelações do senador Marcos do Val (Podemos-ES). Então, vamos ver essa força se esfacelar mais e mais”, afirma o especialista. “O que não significa o fim da extrema direita, com a qual teremos de aprender a conviver – inclusive, fora da política institucional, pois setores do agro, armamentistas, CACs, policiais radicalizados, grileiros, garimpeiros e outros grupos sentiram o gosto do empoderamento e não vão abrir mão de seguir buscando espaço”, completa Fonseca.
Lula com maioria, mas sem muito espaço
Fonseca avalia ainda que a dificuldade da oposição em encontrar lideranças e discursos coesos não significa que o governo Lula não terá obstáculos. “O PT e os partidos de esquerda não formam maioria. Lula sempre precisará, como já vem fazendo, negociar com partidos de centro, que vão ajudar em pautas mais pragmáticas, mas vão resistir a iniciativas mais ideológicas ou ambiciosas”, afirma ele. “Então, imagino que o terceiro governo Lula terá paralelos com sua primeira gestão: vai ter base para não ser ameaçado, mas não para aprovar grandes reformas, sobretudo se tiver que mexer na Constituição”, afirma o cientista político.
Essas limitações deverão ser um entrave para setores como a economia; neste âmbito, o ministro Fernando Haddad, da Fazenda, pretende mandar ao Congresso um novo arcabouço fiscal (para substituir o teto de gastos) e uma reforma tributária. Outra ministra que terá de lutar muito é Marina Silva, do Meio Ambiente, que, na tentativa de aprovar uma agenda de medidas voltadas à sustentabilidade, enfrentará um grupo político coeso e numeroso: a bancada do agro.