Força-tarefa do Jacarezinho: “Se houve execução, vai ser apurado”
Promotor André Cardoso, que lidera investigações no MPRJ sobre operação policial, garante que tudo será analisado
atualizado
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Rio de Janeiro – A força-tarefa criada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) para investigar as circunstâncias da Operação Exceptis, na comunidade do Jacarezinho, disse que nada ficará fora do crivo dos promotores. “Se houve execução, vai ser apurado”, garantiu o chefe do grupo, o promotor André Cardoso.
A criação da força-tarefa foi anunciada nesta terça-feira (11/5), pelo procurador-geral de Justiça do Rio, Luciano Mattos. O grupo terá quatro meses para apurar toda a ação policial, que terminou com a morte de 28 pessoas, sendo uma dela a do policial civil André Frias, de 48 anos.
O objetivo do procedimento de investigação criminal é apurar além das 28 mortes, cinco tentativas de homicídios contra policiais, duas tentativas em passageiros que estavam no metrô e fraude processual.
“Vamos apurar todos os acontecimentos. Se ficar comprovado, o policial vai responder. A investigação é embrionária. Não temos informações para passar ainda”, destacou Cardoso nesta terça. “Já solicitei todos os autos e pedi o nome das equipes que atuaram para requisitar as armas”, completou. Familiares dos mortos também já começaram a ser ouvidos.
Segundo Cardoso, os integrantes do MPRJ não foram até o Jacarezinho no dia da operação: “Tomamos conhecimento dos fatos e fomos até o batalhão da área. Não ingressamos na comunidade porque não estava estabilizada e havia risco. Fomos à Cidade da Polícia. Instauração o procedimento de investigação e solicitamos um perito para ir ao IML. Ele acompanhou as 27 necrópsias. Agora, aguardamos laudos e relatório do perito”.
André Cardoso afirmou, ainda, que os promotores estão colhendo depoimentos, como no caso da denúncia de que os presos teriam carregado os corpos dos mortos. “Não tem como confirmar, vai ser relatado ao final. Não tenho conhecimento ainda sobre os laudos. Ao final das investigações, vamos pontuar o que realmente aconteceu”.
Decisão do STF
Um dos questionamentos sobre a operação é que desde junho do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu operações em favelas durante a pandemia. A decisão permite ações apenas em “hipóteses absolutamente excepcionais”, após comunicação e justificativa ao Ministério Público.
O procurador-geral de Justiça, Luciano Mattos, explicou que no caso da operação, antes da sua deflagração, foi feita investigação policial, levada ao promotor do caso, que fez a denúncia e o juiz decretou as prisões. “Em razão da decisão do Supremo, a polícia comunica ao MP, mas não há autorização prévia. O exame é feito depois para esclarecer”, ressaltou.
Ele deixou claro que as operações não precisam de autorização do MP para serem realizadas. Porém, afirmou que desde a decisão do STF, o MPRJ abriu 44 investigações para apurar circunstâncias de operações policiais deflagradas no Rio de Janeiro. Todas ainda estão em fase de análise.
Operação
A Operação Exceptis contou com a participação de 250 policiais civis e resultou na morte de 27 suspeitos, dois sem ficha criminal, além do agente André Leonardo Mello Frias, de 48 anos, na última quinta (6).
Relatório ao qual o Metrópoles teve acesso após a operação relata o envolvimento da maior parte dos mortos com o tráfico de drogas, mas não menciona o aliciamento de menores, uma das justificativas da ação com base em inquérito da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA).
O objetivo era cumprir 21 mandados de prisão e quatro dos 27 mortos eram indiciados. O relatório também mostra fotos de homens armados, Isaac Pinheiro Oliveira, Pé ou Pertubardo, e Richard Gabriel da Silva Ferreira, o Kako.
Em audiência de custódia realizada no sábado (8), três presos — Patrick Marcelo da Silva Francisco, Max Arthur Vasconcelos Souza e Vinicius Pereira da Silva — contaram que foram agredidos com socos, chutes, pisões e golpes de fuzil.
Na comunidade, uma moradora mostrou a casa cheia de marcas de tiros depois da ação policial. Outro morador afirmou que dois jovens desarmados foram executados na casa dele.
A mais letal
A Polícia Civil disse ter agido legalmente, dentro dos protocolos estabelecidos pelo STF. A operação policial do Jacarezinho foi a mais letal da história do Rio de Janeiro.
Ao justificar a operação, a Polícia Civil disse que a facção criminosa que atua na região age de forma semelhante a grupos terroristas, fazendo até o sequestro de trens da SuperVia.
Segundo as investigações, os criminosos têm “estrutura típica de guerra”, com centenas de “soldados munidos com fuzis, pistolas, granadas, coletes balísticos, roupas camufladas e todo tipo de acessórios militares”.
De acordo com a PCRJ, o grupo, considerado um dos quartéis-generais da facção Comando Vermelho na região, aliciaria crianças e adolescentes para praticar crimes, como o tráfico de drogas, roubos e homicídios.
Circunstâncias sob investigação
O procurador-geral da República, Augusto Aras, solicitou ao governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PSC), ao procurador-geral de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Luciano Mattos, e a outras autoridades e órgãos estaduais que esclareçam as circunstâncias da operação policial.
“Desde que teve conhecimento dos fatos noticiados pela imprensa, Aras tem mantido contatos com o ministro Edson Fachin, com o procurador-geral de Justiça Luciano Mattos e com o governador do Rio de Janeiro, em conjunto com a assessoria criminal do Gabinete do PGR”, informou em nota.
Patrícia Félix, uma das representantes da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), disse que a entidade vai cobrar que seja realizada perícia independente para apurar a morte dos suspeitos.
“O que conseguimos ver foram relatos de moradores que estão abalados por a polícia ter entrado e matado as pessoas dentro das casas. Foi um banho de sangue”, afirmou.
O Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas (ONU) para Direitos Humanos, por meio do porta-voz Ruppert Colville, em Genebra, disse que a entidade está “profundamente perturbada” com as mortes na comunidade do Jacarezinho, no Rio de Janeiro.
Ainda segundo o porta-voz, o modelo de segurança pública em comunidades está errado. Pontuou ainda que uma investigação imparcial deve ser aberta para apurar o caso.