Folião infectologista questiona: “Como liberar Sapucaí com pandemia?”
Personalidade do bloco Simpatia é Quase Amor, médico Roberto Medronho defende que “os eventos de Carnaval no Rio deveriam ser suspensos”
atualizado
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Rio de Janeiro – Com o aumento exponencial de casos da Covid-19 no Rio de Janeiro – que chegou a 6.778% em 20 dias -, há uma grande preocupação dos profissionais de saúde em relação ao Carnaval 2022. Fundador do bloco Simpatia é Quase Amor, o infectologista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Medronho critica a decisão do prefeito Eduardo Paes (PSD) de manter a realização do evento com escolas de samba na Sapucaí.
“A minha opinião é que todos os eventos de Carnaval do Rio deveriam ser suspensos”, disse Medronho, que também integra o Comitê Científico de Niterói, ao Metrópoles.
Na avaliação do médico, o aumento no número de casos é muito grande e a curva epidêmica vai atravessar parte do mês de fevereiro: “Pode ser que ela esteja mais leve próximo ao evento, mas como você pode planejar e liberar um evento deste tendo uma epidemia rolando?”
Medronho também questiona a intenção por trás da decisão da prefeitura do Rio de manter os desfiles das escolas de samba. Até o momento, após uma reunião com as ligas e associações de blocos, além de patrocinadores, ficou cancelado o Carnaval de rua.
“Espero que o prefeito não tenha tomado este tipo de decisão baseado em questões econômicas. Porque o Carnaval de rua, para a prefeitura, não tem muito impacto econômico, tem custos. Já a Sapucaí é uma forma direta ou mesmo indireta da prefeitura ter algum ganho”, indaga.
Para o médico, a fiscalização e o seguimento das medidas restritivas será desafiador. Apesar de a prefeitura do Rio alegar que, no evento da Sapucaí, será possível fazer uma fiscalização, ele demonstra incerteza:
“Vai ter distanciamento físico entre os membros das escolas de samba? A plateia terá distanciamento também? Exigirá a vacinação completa de todos que participarem? Usarão máscaras? Se seguirem todas essas medidas e fizerem testes há uma segurança maior, mas as pessoas vão comemorar, vão se abraçar, vão cantar”, afirma o epidemiologista.
Epidemiologista folião
O momento também de frustração para o infectologista, que também é um folião icônico Rio, por ser compositor e fundador do bloco de rua Simpatia é Quase Amor, que costuma desfilar por Ipanema, na zona sul do Rio.
“Carnaval, para mim, tem um gosto muito especial, porque eu exerço uma função artística. Tudo amador, mas é uma emoção inenarrável cantar para milhares e milhares de pessoas, e elas cantarem o teu samba. É uma coisa que não tem preço”, diz.
Em 2021, o parecer de Medronho para que não tivesse Carnaval foi assinado junto com o professor Hermano Castro, que foi diretor da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz (Ensp). Ele explica que a festa poderia ser realizada neste ano, mas a chegada da Ômicron mudou o panorama.
“Este ano, assessoramos a Comissão Especial de Carnaval, presidida pelo vereador Tarcísio Motta (PSol), que tem Riotur, Liesa e Secretaria de Cultura. Nós elaboramos uma lista de indicadores para, caso atingíssemos, iríamos realizar o Carnaval, mas chegou a Ômicron, que está varrendo o país”, relata.
Em relação a possíveis propostas de alteração do Carnaval de rua para parques, como o Olímpico, na Barra da Tijuca, ou o de Madureira, na zona norte, Medronho mostra discordância.
“Eu não sou da diretoria do Simpatia é Quase Amor. Acho que conheço a diretoria e são pessoas realmente ligadas à Ciência. O posicionamento do meu bloco – digo isso por ser um dos fundadores -, tem sido seguir a ciência. E espero que continue sendo seguir a ciência.”
Covid-19 no Rio
Segundo o epidemiologista, a população brasileira tem uma vantagem em relação a outros países, que é a alta adesão à vacina. Estudos mostram que a variante Ômicron é mais amena em quem já aplicou as três doses do imunizante ou em quem está no período entre a segunda e a terceira dose – de quatro meses como definido pelo Ministério da Saúde recentemente.
“Temos um povo bem mais protegido em função da nossa cobertura vacinal”, afirma Medronho. Ele destaca que, nos casos da variante Ômicron, o aumento na hospitalização tem se mostrado maior em pessoas não vacinadas, com casos mais graves e que podem até levar à morte.
O médico critica também o movimento do Ministério da Saúde em relação à pandemia da Covid-19 e a recente consulta pública feita em razão da vacinação infantil.
Para ele, foi “absolutamente inoportuna e inadequada, além de tecnicamente muito mal formulada”. Segundo ele, como professor da UFRJ, o inquérito foi tendencioso. “Disse um dia desses que daria zero para quem fez aquele inquérito. Na UFRJ, a gente ensina a fazer um e eu reprovaria quem realizou aquele.”