Firma que ajudou reforma de Bolsonaro tinha endereço que hoje é do PL

A empresa Bravo Serviços e Construções, cujo dono participou sem custos da obra de reforma da casa de praia do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, declara à Receita Federal o mesmo endereço da nova sede do Partido Liberal (PL) na cidade.

Como a legislação eleitoral brasileira veda qualquer fonte de financiamento privado a partidos políticos, especialistas veem a situação como suspeita.

Como explica o advogado Vinicius Cordeiro, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), caberia, inclusive, apuração oficial para verificar qual a relação entre a sigla, o empreiteiro e a obra feita na casa pessoal do principal expoente do PL. “Pode estar havendo um financiamento eleitoral irregular, já que a empresa, mesmo se estiver locando o bem, não poderia emprestá-lo para o partido político”, argumenta.

A inauguração da sede aconteceu no dia 6 de janeiro deste ano. O evento contou com a participação de Bolsonaro e de Renato de Araújo Correa, empreiteiro que, além de ter admitido ter ajudado na reforma do ex-presidente, é dono de R$ 17 milhões em contratos com o governo de Cláudio Castro, governador do Rio de Janeiro pelo PL. Em um dos certames, de R$ 9,3 milhões, o empresário venceu a concorrência competindo sozinho.

O endereço em questão fica na rua Arcebispo Santos, número 251, e está localizado perto do Terminal das Barcas. Em uma pesquisa no Google, onde constam registros feitos em maio de 2022, o imóvel, com a fachada toda de tijolos crus, ainda exibe a placa da Bravo. Atualmente, há um logotipo do PL no mesmo espaço.

O casarão tem o mesmo endereço registrado pela sigla atualmente no Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ). Apesar de funcionar atualmente no local, onde foi o lançamento da nova roupagem da sigla em Angra, o cadastro oficial do partido na Receita é outro, na Travessa Sargento Ayres Silva, no Morro do Carmo, em uma região residencial.

Para a presidente de Comissão de Direito Constitucional da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro (OAB-RJ), e especialista em direito eleitoral, a confusão entre público, privado e eleitoral é grave. “Podemos estar diante de um caso flagrante de abuso de poder econômico e político, mesmo em sede de pré-campanha. São empresas grandes, irrigadas com recursos públicos de governos do PL, e que estão envolvidas, não sabemos em que nível, em atividades de organização de candidaturas e obras suspeitas de lideranças partidárias”, diz.

Telefone sem fio

A reportagem procurou a assessoria de imprensa do PL nacional para obter posicionamento. Recebeu um link com os telefones do diretório fluminense da sigla. O número informado, no entanto, não atende. Tentamos contato com o presidente do PL no Rio, deputado federal Altineu Cortes, mas não obtivemos retorno.

Ligamos ainda no número de celular que está presente no cadastro oficial do TRE-RJ, que seria do presidente da sigla em Angra, advogado Valmir Sérvulo, assim como mandamos mensagem. Em vão. Nos telefones fixos informados pela Bravo à Receita, quem atende é um escritório de contabilidade que, segundo alega, não presta mais serviços para a firma.

Na página virtual da Bravo nas redes sociais, o endereço declarado é na rua da Conceição, 234. Pelas imagens do Google Maps, é um prédio que abriga um escritório de contabilidade. O telefone, no entanto, dá como inexistente.

Uma empresa em nome da esposa de Renato, mas que também possui a palavra Bravo no seu nome fantasia, chegou a ganhar contratos abastecidos com dinheiro público declarando o endereço, como ao ser subcontratada, por R$ 21 milhões, para fazer reformas para a Organização Social (OS) Instituto Gnosis, em 7 de janeiro de 2023. Nesse caso, os recursos viriam da Prefeitura do Rio. A OS também tem cerca de R$ 180 milhões de reais em contratos com o governo Castro.

No cadastro oficial da Receita Federal, ainda existe, até hoje, uma terceira empresa ligada ao empreiteiro declarando o endereço como sede, a Bravo Festival em Angra, aberta em 2021.

Questionados sobre o tema, Renato, PL e defesa de Bolsonaro não responderam à reportagem.

Entenda o caso

A reforma na casa de praia do ex-presidente Jair Bolsonaro em Angra dos Reis (RJ), na Costa Verde fluminense, teve a participação de um empreiteiro que, em uma semana, venceu licitações de quase R$ 17 milhões em contratos ligados ao governo do correligionário Cláudio Castro (PL).

Em um dos certames, de R$ 9 milhões, o empresário venceu concorrendo sozinho.

Renato de Araújo Corrêa atuou como uma espécie de coordenador da obra do ex-presidente. A presença constante do empresário foi relatada por vizinhos ao Metrópoles.

Essas pessoas, que pediram para não ter os nomes divulgados, afirmaram tê-lo visto no local semanalmente, na época da virada de ano, orientando os operários “como se fosse o chefe deles”.

Vídeo obtido pela reportagem mostra um discurso em Angra, no Hotel do Bosque, no dia 7 de janeiro deste ano. Na ocasião, Bolsonaro comenta com a plateia sobre a reforma em sua residência.

Olhando e apontando com a mão para Renato, ao seu lado no palco, o ex-presidente diz que o empresário estava “pagando” tudo.

“Minha casa aqui não é o sítio de Atibaia, não”, prosseguiu, em referência ao imóvel eixo das investigações por corrupção e lavagem de dinheiro contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a Lava Jato.