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Fernando Lopes é denunciado por outro ginasta: “Queria me beijar”

Lucas Altemeyer treinou com o ex-técnico de 2003 a 2005 e relatou que cenas de abuso eram recorrentes

atualizado

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Ricardo Bufolin/CBG
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1 de 1 fernandocarvalho - Foto: Ricardo Bufolin/CBG

Lucas Altemeyer tomou coragem de contar sua história após ter visto o relato de Petrix Barbosa, colega dos tempos de ginástica, ao programa Fantástico, da TV Globo, no dia 29 de abril. A reportagem mostrou, a partir de uma queixa prestada por um atleta menor de idade, em 2016, o início de um inquérito policial em trâmite até hoje na cidade de São Bernardo do Campo.

Mais de 40 ginastas e ex-ginastas alegam terem sido vítimas de algum tipo de abuso físico, moral ou sexual por Fernando de Carvalho Lopes, que fez carreira no Mesc e, por dois anos, integrou a comissão técnica da seleção brasileira masculina de ginástica. Ele foi afastado a um mês da Olimpíada do Rio.

Os relatos de Petrix e Lucas não passaram em branco: Fernando foi afastado do Mesc. O Comitê Olímpico do Brasil (COB) cobrou explicações da Confederação Brasileira de Ginástica (CBG) – na iminência de perder patrocínio da Caixa – e alguns personagens secundários acabaram envolvidos, como o coordenador de seleções da entidade, Marcos Goto, técnico atual do medalhista olímpico Arthur Zanetti e treinador de Lucas durante a passagem do ex-ginasta por São Caetano.

Lucas, que conviveu com Fernando de 2003 a 2005, deu entrevista ao jornal O Estado de São Paulo. Segundo o ginasta, no primeiro ano, não sofreu investidas do ex-treinador, mas, aos poucos, notou algo de estranho no comportamento dele. Confira a entrevista a seguir:

Quando você chegou ao Mesc, logo percebeu as atitudes do Fernando?

Não, inicialmente ele não fazia. Quando cheguei, a atitude dele sempre foi de querer ser amigão, saber de coisas particulares, ser pai, amigo. Ele era muito envolvido com religião, rezava com a gente. Então passava uma confiança de pessoa boa. E falava: “Gente, quero ser tão amigo de vocês… Quero dar um abraço”. Depois, vinha com beijo no rosto. Quando ele começou a falar isso, estranhei. Um dia, ele veio me perguntar e falei: “Não, Fernando, não gosto de beijar nem meu pai no rosto porque ele tem barba, me incomoda, por que eu iria querer beijar o seu?”. Às vezes, ele oferecia a casa dele pra dormirmos, quando tínhamos treino sexta à noite e sábado de manhã, para não precisar acordar tão cedo, pois muitos moravam longe. E ele dormia abraçado com o Petrix. Aquilo me fez pensar. Aí, com o tempo, comecei a observar o toque dele nos meninos durante os treinos. Como eu tinha treinado com outros técnicos, tinha certeza da não necessidade de tocar daquele jeito. E ele sempre levava para esse lado da amizade, perguntava: “Você já beijou uma menina?”, ou “Já tocou no peitinho da menininha?”.

Sempre tentava jogar o papo para o lado sexual, né?

Sim, ele entrava nesses assuntos. Aí, pra conquistar a gente, ele até falava: “Se quiserem, eu deixo vocês dirigirem o carro, vou ensinar”. Poxa, tudo que um moleque sonha em fazer: dirigir e conversar com um adulto sobre sexo. Talvez, ele entrasse nessas áreas para tentar conquistar nosso respeito.

Com você, quando aconteceu pela primeira vez?

Foi num movimento chamado esquadro a parada. Os novos na ginástica não conseguem fazer (sozinhos), requer muita força de ombro, uma técnica certa. Então, o técnico precisa modelar a criança para fazer. Todos os técnicos colocam uma mão no ombro, para não deixar a criança avançar muito, e outra na perna, para a elevação. Ele fazia o movimento, e quando chegávamos na parada de mão, ele escorregava a mão dele até o nosso pênis, entendeu? Ou descia e ficava segurando as nádegas por muito tempo. E tinham outros movimentos na argola. Tem um chamado maltesa. É como se fosse uma prancha. O atleta fica com o corpo na horizontal enquanto se sustenta no ar. Os técnicos sempre deixam uma mão no ombro e outra no pé. O Fernando colocava a mão no meio do órgão genital do moleque para segurar. Aí, quando ele ia me ajudar, eu caía e falava: “Bateu, bate, bateu, velho, toma cuidado”, como se tivesse doído o toque, para assustá-lo.

Ele se irritava com você diante dessas atitudes?

Inicialmente, não. Ele ficava meio constrangido, dava uma risada e falava: “Foi mal, não era minha intenção”. Uma vez ele teve a coragem de dizer: “Pô, toda hora que eu encosto sem querer, dói? Você deve estar na maturação, né, deve estar sensível!”. Falei: “Não sei, Fernando, mas bateu e doeu. Por favor, não faça mais isso, bota a mão em outro lugar, mas não lá”. Então ele se irritou, mas não de brigar. Falou: “Então tá bom, você só treina com o auxiliar”.

O que passava na sua cabeça na época? Qual medo tinha de contar isso a alguém próximo?

(Pensa um pouco e suspira antes de iniciar a resposta). Foi algo que veio crescendo, sabe? Uma vez, reclamei, perguntei a razão de ele botar a mão lá, ele disse: “Sei o que estou fazendo, sou um profissional formado e lá é o centro de gravidade, o lugar mais fácil (para auxiliar no exercício)”. Ele também dizia não ser tão forte, dizia ser do vôlei, não ex-atleta. “Se eu fizer como vocês estão pedindo, ao final da semana eu não tenho ombro”, ele falava. Aí a gente ficava um pouco confuso. Tipo, eu pensava: “Não sei nada, talvez ele tenha razão”. Com o tempo, outros meninos foram parando (de treinar) e diziam ter contado aos pais e eles não tinham acreditado. Porque antes do abuso, tinha muita reclamação contra o Fernando por ele ser rígido demais. Então, os pais achavam ser só mais uma reclamação, acredito.

Nem com seu irmão você tinha vontade de se abrir (André Altemeyer também havia sido ginasta e trabalhava como treinador no ABC)?

Vontade, não. Tinha medo. Minha família sempre foi aberta para muita coisa, mas em relação à sexualidade, não. E eu tinha vergonha de falar o ocorrido. Quem não praticava ginástica já via a gente como gay, por ser muito delicado. Então imagina. Já era o zoado no colégio por ser o “Balé”, eles me chamavam assim. Na rua, também, eu era o “viadinho”, ginasta, a gazela saltitante, essas paradas. Aí agrega com essa coisa do cara tocar em mim. Pensava: “Nem f*** vou me abrir com alguém, vou ficar na minha”.

Além dos toques, você viu mais abusos?

Quando ia tomar banho, era com os meninos mais velhos, que estudavam no mesmo horário. A gente entrava, dava três minutos, o Fernando chegava pra fazer xixi, puxava uma conversa, vinha abrir a porta e via a gente tomando banho. E ele sempre entrava no assunto do “quando maturar esse peru, me avisa, precisa me mostrar, porque aí vou precisar mudar o treino”. Ou ele comentava em relação ao tamanho. Virava e falava: “Nossa, tá crescendo né?”. Cara, a gente ficava muito constrangido. Aquele momento me dava nervoso. Dos toques, eu sabia me defender, mas ali não dava para sair da situação. Naquele momento, não conseguia encontrar nenhuma forma de evitá-lo. Começamos a encontrar soluções do tipo tomar banho no menor tempo possível. Nem lavava o cabelo.

Você encontrou o Fernando alguma vez depois de sair do Mesc?

Quando fui para São Caetano, a gente sempre se trombava em competição. Às vezes, ele dava “oi”, às vezes, nem olhava na cara. Para mim, não fazia nem questão. Preferia evitar.

Corriam boatos no meio e algumas pessoas, como a psicóloga do Mesc e o Marcos Goto, treinador em São Caetano, sabiam. O que você ouvia depois que passou a treinar com ele?

Nunca contei nada para ele, então, comigo, nunca houve essa conversa. Às vezes, ele brincava dizendo: “Ah, quer treinar com o Fernando?”, mas não era no sentido dos abusos. Era porque ele achava o treino do Fernando mais light, mais fácil.

Mas você ouvia ele brincar com outros ginastas que tinham vindo de São Bernardo?

Não, eles treinavam em horários diferentes. E quando era junto, treinavam com um técnico auxiliar, e a gente ficava com o Marcos. Nunca vi ele fazer essas brincadeiras, e ele é bem piadista. E sobre a psicóloga, quando eu estava no Mesc, a gente não tinha psicóloga, então não tenho nada para falar sobre ela.

Se você ficasse frente a frente com o Fernando hoje, diria algo a ele?

Ele foi muito cínico. Mas eu não tenho nenhuma vontade de falar com ele. Não merece nem a minha palavra, de tão desprezível.

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