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Falta de lei abre brecha para defesa de “software espião” pela Abin

Parte dos servidores da Abin defende uma forma legalizada de uso do FirstMile, programa que monitora localização em tempo real

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A sede da Abin, em Brasília
1 de 1 A sede da Abin, em Brasília - Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

A falta de uma legislação específica sobre o uso de novas tecnologias para acessar dados privados pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) é usada como justificativa para o uso do FirstMile, o software que permite ver a geolocalização em tempo real pelo número do celular.

Operações da Polícia Federal (PF) nas duas últimas semanas miram um esquema de uso desse software israelense pela Abin, entre 2019 e 2021, para espionar de forma ilegal adversários políticos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Mesmo com a investigação, uma parte importante dos servidores ativos da Abin entende que o uso da tecnologia está dentro da lei, desde que os números de celular inseridos no programa sejam precedidos de protocolos da agência, como planos de operações e ordens de busca.

Para essa parcela, só teriam cometido ilegalidades os servidores, e delegados que compunham a cúpula da Abin de Bolsonaro, que fizeram consultas no software sem seguir esses protocolos, que seriam planos de operações, ordens de busca e pedidos de conhecimento.

Segundo a PF, nos casos investigados, documentos eram evitados para não deixar rastros. Ou seja, não seguindo esses protocolos.

Lobby pelo software

Nos bastidores, há uma busca por justificar o uso dessa tecnologia. O pesquisador da UnB Ricardo Ramos Sampaio, por exemplo, escreveu uma dissertação de mestrado inteira defendendo a vigilância por meio de geolocalização em tempo real pela Abin.

“Se à Abin é autorizada o uso da técnica operacional vigilância, caracterizada pela observação em ambiente público de pessoas e locais, que permite visualizar outras circunstâncias além da localização do indivíduo, não parece razoável negar o uso de ferramenta eletrônica que lhe indicará apenas a localização da pessoa”, defende Sampaio em seu texto.

Na dissertação, o pesquisador da Faculdade de Tecnologia cita agências de inteligência de outros países e empresas gigantes privadas que usam esse tipo de tecnologia, e argumenta que a legislação brasileira não impede o uso pela Abin.

Entre essas justificativas, está um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) de 2021 que é citado por pessoas da Abin como uma segurança jurídica do uso do programa.

O parecer fala que a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) não se aplica para o tratamento de dados com fins de segurança pública, investigação e repressão de ilícitos, mas também diz que “o tratamento dos dados para estas finalidades será disciplinado em lei especial”.

Mesmo entre os defensores desse tipo de monitoramento, há quem aponte como um erro de inteligência e ameaça à soberania nacional o arquivamento dos dados investigados em território israelense, que é o caso do FirstMile.

Não pode

O advogado criminalista e especialista em segurança pública, Berlinque Cantelmo, é categórico sobre o assunto. A Abin não tem poder de promover investigações criminais e o monitoramento por geolocalização deveria acontecer só com autorização judicial, como acontece em investigações das polícias civis, federal e ministérios públicos.

“Considerando os princípios da preservação da intimidade e da dignidade da pessoa humana, todos previstos na Constituição Federal, toda e qualquer dado relacionado a utilização de dispositivos performáticos, como aparelhos de telefone celular, notebooks e demais instrumentos informáticos, demandam autorização judicial para quebra efetiva de qualquer sigilo da geolocalização”, explica Cantelmo.

Falta lei, mas

Coordenador de Direito e Tecnologia do ITS Rio, Christian Perrone defende a necessidade de criação de uma LGPD Penal com mais detalhes sobre o uso de novas tecnologias em investigações e para defesa da segurança nacional.

No entanto, Perrone defende que, sem a lei, deve-se prevalecer a proteção dos dados dos cidadãos.

“Faz sentido diferentes interpretações, mas na falta de uma autorização legal, me parece que a melhor interpretação é a protetiva, que na falta de uma autorização judicial, não poderia ter esse tipo de procedimento”.

Perrone também lembra que o acesso à geolocalização não é algo “simples”, mas sim um mecanismo com possibilidades de interferências múltiplas e acesso a dados sensíveis da vida das pessoas, principalmente quando se tem um histórico dessas localizações.

“Para poder legitimar a diminuição dessa proteção, deveria ter uma lei que autorizasse, com uma política pública muito regulada e regulamentação da própria Abin, com transparência”.

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