Fala de Campos Neto sobre transição no BC é recebida como aviso a Lula
Campos Neto defendeu nesta semana que “seria bom” fazer a sabatina do seu sucessor ainda neste ano de 2024, antes do fim de seu mandato
atualizado
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Fala recente do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, sobre a transição no órgão foi recebida como um alerta ao governo Lula (PT), que terá a oportunidade de indicar o próximo presidente em 2024. Depois de um primeiro ano de embates com o chefe da autoridade monetária, hoje a gestão petista conta com quatro dos nove diretores da instituição e já não trata o BC como adversário.
Escolhido por Paulo Guedes e próximo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Campos Neto (também chamado de RCN por agentes do mercado) vai encerrar seu mandato em 31 de dezembro de 2024. O próximo diretor ficará no cargo até, pelo menos, 2028.
Como é de praxe, o próximo indicado por Lula precisará passar por sabatina e votação no plenário do Senado para ser empossado na diretoria do BC. Campos Neto descartou deixar o cargo com muita antecedência, mas na quarta-feira (3/4), em evento do Bradesco BBI em São Paulo, ele defendeu que “seria bom” fazer a sabatina do próximo indicado ainda neste ano, para que a transição seja feita com tempo.
Disse Campos Neto: “Seria bom fazer a sabatina este ano. Se um diretor for presidente interino, ele tem que passar por sabatina também”. Ele ainda defendeu que fará uma transição “mais suave possível”.
A mensagem foi recebida como um aviso de que é melhor para o governo se antecipar e não deixar a indicação para a última hora, visto que o recesso legislativo começa em 23 de dezembro.
Na vacância do cargo de presidente ou de diretor do Banco Central, um substituto será indicado e nomeado para completar o mandato, mas também é exigida a aprovação do nome pelo Senado Federal.
Além da mudança na presidência, o governo também deverá indicar mais dois diretores neste ano e enfim terá maioria no Comitê de Política Monetária (Copom), responsável pela definição da taxa básica de juros, a Selic.
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Quem será o próximo presidente do BC?
O nome mais forte para assumir a presidência do BC é o de Gabriel Galípolo, atual diretor de Política Monetária. Galípolo foi indicado no primeiro semestre de 2023, e pegou agentes do mercado de surpresa.
A indicação do ex-secretário-executivo do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi vista desde o início como uma sinalização sobre o próximo presidente do BC. O governo pode, porém, optar pela escolha de outro nome para o comando da instituição.
Além de Galípolo, Lula também indicou ao BC o servidor de carreira Ailton de Aquino (Diretoria de Fiscalização), em maio. Ambos participam das reuniões do Copom desde agosto, mês em que o órgão iniciou o ciclo de corte da Selic.
Já no final do ano, foram indicados pelo governo e aprovados pelo Senado os nomes dos economistas Paulo Picchetti (Diretoria de Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos) e Rodrigo Alves Teixeira (Diretoria de Administração). Eles participaram de todas as reuniões do Copom de 2024 já realizadas — nos meses de janeiro e março.
Autonomia do BC
Com a lei de autonomia do Banco Central, de 2021, este é o primeiro governo que convive com uma diretoria não totalmente indicada pelo presidente da República eleito. Isso porque a legislação estabeleceu que os mandatos do presidente e dos diretores do BC têm duração de quatro anos, com início no dia 1º de janeiro do terceiro ano de mandato do presidente da República.
Ao longo de 2023, em ofensiva para a queda da Selic, Lula chegou a dizer que Campos Neto teria “compromisso com o outro governo [do ex-presidente Bolsonaro]”.
Com aproximação intermediada pelo ministro Haddad, Campos Neto se reuniu algumas vezes com Lula no segundo semestre e participou de um jantar de confraternização oferecido pelo presidente na Granja do Torto em dezembro.
Para 2024, um novo ponto de embate entre Campos Neto e o PT é em torno da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 65/2023, que muda o regime jurídico e amplia a autonomia da instituição.
O presidente do Banco Central manifestou intenção de aprovar tal proposta até o fim do mandato. O modelo defendido por ele foi idealizado pelo avô, o economista Roberto Campos (1917-2001), um dos criadores do Banco Central brasileiro.
A PEC está atualmente na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), aguardando apresentação de relatório pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM).
A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PT), disse recentemente que a proposta é uma tentativa de “submeter o Brasil a uma ditadura monetária”. O ministro da Fazenda tem colocado panos quentes e defendido diálogo entre as instituições em torno do tema.