Faixa presidencial prevalece entre a tradição e quebras de protocolo
Dúvidas rondam a presença de Bolsonaro na entrega da faixa a Lula. Caso não compareça, representará uma quebra de protocolo
atualizado
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A regra é clara: o candidato mais votado nas eleições presidenciais recebe a missão de comandar o Brasil por quatro anos. A incumbência, porém, carrega diversas formalidades. Uma delas – talvez a mais emblemática – é receber a faixa presidencial durante a cerimônia de posse.
O item é mais que mero adorno para as fotos enviadas aos gabinetes da Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Um decreto de 21 de dezembro de 1910, do então presidente, Hermes Fonseca, instituiu a faixa presidencial como um distintivo do cargo de Presidente da República.
A partir de 2023, a faixa presidencial passará aos cuidados do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Tradicionalmente, o presidente eleito recebe a faixa daquele que deixa o cargo. Dessa vez, porém, restam dúvidas se Jair Bolsonaro (PL) participará da cerimônia.
Não será a primeira vez
Caso Bolsonaro não compareça à posse de Lula, não trata-se de uma novidade na história recente da democracia brasileira. Em 1985, o general João Figueiredo, último presidente da ditadura militar, se recusou a entregar a faixa a José Sarney.
A posse ocorreu em um contexto conturbado. Derrotado o movimento das Diretas Já, o Congresso Nacional escolheu Tancredo Neves como presidente. No entanto, a morte chegou antes da posse e o vice-presidente eleito José Sarney assumiu a Presidência.
O cientista político e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) Pedro Costa Júnior considera que a passagem da faixa presidencial é mais que uma formalidade. “É quando o presidente outrora vigente reconhece que está passando o poder formalmente, em público. O ato público é muito forte e muito importante”, afirma.
O item
A faixa presidencial segue especificações rígidas. Deve ser obrigatoriamente produzida em seda, nas cores verde e amarelo. Sobre o tecido, há um escudo da República bordado em ouro. A faixa tem largura de 15 centímetros e termina em franjas de ouro de 10 centímetros.
Quanto ao uso, o Decreto nº 2.299/1910 estabelece que o presidente use a faixa “a tiracollo, da direita para a esquerda”.
Substituição
Quando o presidente se ausentar de eventos oficiais, o vice-presidente deve presidir as cerimônias. O atual vice-presidente e senador eleito general Hamilton Mourão, porém, descartou qualquer substituição. “Eu não sou o presidente. Eu não posso botar aquela faixa, tirar e entregar”, afirmou em entrevista ao Valor Econômico.
Há ainda a opção de seguir a linha sucessória presente na Constituição Federal. Na ausência do presidente e do vice-presidente, assumem o posto, na seguinte ordem, o presidente da Câmara dos Deputados, o presidente do Senado Federal e o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF).
O Metrópoles questionou a Presidência da República se Bolsonaro tomou alguma decisão com relação à presença na cerimônia de posse. No entanto, até o fechamento desta reportagem, não houve retorno.
A ausência é crime?
O advogado e pesquisador da Universidade de Brasília (UnB) Bruno Rangel Avelino afirma que a ausência do presidente derrotado no evento não configura crime. “Existe decreto que trata dos ritos para cerimônia de posse do Presidente da República eleito, mas não há obrigatoriedade da passagem de faixa entre antecessor e sucessor”, observa.
O pesquisador da UnB explica que a obrigação de proclamar o resultado das eleições e expedir o diploma do candidato eleito é do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ao Congresso Nacional, fica delegada a responsabilidade de empossar o novo mandatário.
“Esses são os atos jurídicos essenciais para dar início ao mandato do presidente eleito. As demais questões, como passagem de faixa, desfile e outros, são ritos cerimoniais importantes, mas sem implicação jurídica”, observa Bruno Rangel.
Peso democrático
Para o cientista político Pedro Costa Júnior, a passagem de poder é um ritual valorizado em diversos momentos e períodos da história. No Brasil, tomou forma na passagem da faixa presidencial. “De certa maneira, esse gesto é presente nas mais variadas sociedades. É o rito da transição”, explica.
O advogado Bruno Rangel Avelino pondera que a participação do presidente derrotado na entrega da faixa fortaleceria o sentimento saudável para democracia de que as disputas eleitorais chegam ao fim com a proclamação dos resultados. “Também demonstraria respeito ao cargo de Presidente da República do Brasil, que sempre será maior do que as pessoas que o ocupam transitoriamente”, completa.