Fachin vota pelo fim de “perfilamento racial” em abordagens policiais
O ministro do STF é relator de ação na Corte que analisa se racismo estrutural nas abordagens policiais invalida provas
atualizado
Compartilhar notícia
O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quinta-feira (2/3) contra provas obtidas em abordagens policiais que levam em conta a cor da pele. Fachin é relator do HC nº 208240, sobre o caso de um homem negro condenado a 7 anos e 11 meses de prisão por tráfico de drogas, após ser flagrado com 1,53g de cocaína.
No caso dele, a busca não foi baseada em elemento de suspeita, mas no chamado “perfilamento racial“. Ou seja, há, nos autos, alegação de que a busca ocorreu motivada pela cor da pele do réu.
Fachin considerou em seu voto que esse tipo de abordagem é discriminatória e ilegal. “A situação apresentada não revela a existência de elementos concretos a caracterizar fundada razão exigida para busca pessoal sem ordem judicial. Assim, reconheço, no caso, a nulidade da busca pessoal realizada pelos policiais militares”, afirmou.
Desse modo, Fachin concedeu ordem de ofício para declarar a nulidade da revista pessoal e dos demais atos processuais que dela advieram, e determinar, por conseguinte, o trancamento da ação originária.
Fixação de teses
O relator propôs ainda, com a intenção de coibir o “perfilamento racial” em buscas policiais, a fixação de teses:
- A busca pessoal independe de mandado judicial e deve estar fundada em elementos concretos e objetivos de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, não sendo lícita a realização da medida com base na raça, cor da pele ou aparência.
- A busca pessoal sem mandado judicial reclama urgência para qual não se pode aguardar ordem judicial e que os requisitos para a busca pessoal devem estar presentes anteriormente à realização do ato e devem ser devidamente justificados pelo executor.
O julgamento sobre o caso está em sua terceira sessão. Até o momento, o ministro Edson Fachin foi o único a proferir seu voto. Faltam os outros 10 ministros que compõem a Corte.
Racismo
Na sessão plenária de quarta-feira (2/3), a Procuradoria-Geral da República (PGR), representada pela vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, defendeu a rejeição do HC. Pelo entendimento dela, não resta configurado no caso o racismo estrutural.
“Não estamos a julgar um problema social, infelizmente. O racismo é uma coisa que existe, e não é um privilégio do Brasil, existe em outros lugares. Mas não podemos esquecer que a droga é droga e é prejudicial em qualquer lugar, não é porque a pessoa é de cor preta ou de cor branca que deverá ser isenta por isso”, disse Lindôra Araújo.
O processo em questão foi analisado pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) antes de chegar ao Supremo. No entanto, a Defensoria Pública entrou com habeas corpus no STF contra acórdão da turma que aplicou ao homem redução da pena pelo princípio da insignificância, mas não reconheceu a ilicitude dos elementos de prova para condenação por terem sido embasados na cor da pele.
“A ilicitude da prova decorre da busca pessoal baseada em filtragem racial”, ressaltou a Defensoria em duas alegações. O órgão pontua, ainda, que, “caso superados os argumentos desenvolvidos e que culminam na absolvição do réu, deve, ao menos, ser feita a devida desclassificação da conduta do homem”.
A ideia do relator é fixar tese de que o racismo estrutural afeta as abordagens e que, se isso acontecer, o processo pode ser nulo.
Falta de punição
Estudo realizado pelo Núcleo de Justiça Racial e Direito, da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo, em dezembro de 2022, apontou que órgãos do sistema judicial brasileiro, como o Ministério Público e diferentes tribunais, contribuem para a falta de punição a policiais envolvidos em ações que resultam em mortes de pessoas negras.
Os pesquisadores analisaram os processos judiciais de oito casos emblemáticos de violência policial ocorridos entre 1992 e 2020. Entre eles estão o massacre do Carandiru (1992), o da favela Naval (1997) e o de Paraisópolis (2019).
O estudo partiu da premissa que a letalidade policial no Brasil afeta de maneira desproporcional a população negra. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), de 2021, mostram que 84% das vítimas de mortes decorrentes de intervenções policiais eram negras. Além disso, no mesmo ano, enquanto a taxa de mortalidade de ações policiais entre vítimas brancas caiu 30%, a de negros subiu 6%.