Expansão da Cracolândia aumenta tensão no centro de São Paulo
Prisão da traficante “Gatinha da Cracolândia” é parte de ação para conter consumo de drogas que preocupa moradores e comerciantes da região
atualizado
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Dono de um restaurante no bairro do Bom Retiro, na região central de São Paulo, José Henrique dos Santos, 64 anos, está acostumado a ser abordado por moradores de rua que batem em sua porta pedindo comida. “Passei a dar marmita sem a tampa para evitar que eles corram para a Cracolândia trocar por droga. Sentia que financiava o tráfico de drogas ao doar comida”, diz ele.
Comerciantes e moradores do entorno da Cracolândia vivem amedrontados pela constante ameaça de violência atrelada ao comércio e consumo de drogas. É uma rotina marcada pela tensão de conflitos como os decorrentes das ações policiais que tentam manter algum controle na área tomada por usuários de crack, cocaína e outros produtos ilícitos. Foi justamente em uma operação policial na última quinta-feira (22/7) que acabou presa Lorraine Bauer, de 19 anos, traficante conhecida no local como a “Gatinha da Cracolândia“.
Para o estilista Josias Freitas, de 51 anos, morador do Bom Retiro, prevalece nas ruas do bairro a sensação de insegurança. “O policiamento é zero”, diz ele ao apontar os postes de iluminação que passam a noite toda apagados. “Tenho mais de 16 protocolos na Aneel pedindo o reparo, mas a resposta é sempre a mesma: trata-se de um local de vandalismo e, por isso, não mandam as equipes de manutenção”, diz.
O Metrópoles entrou em contato com a Aneel, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
Em locais onde há concentração de sem-teto e usuários de drogas, é habitual o roubo de fios e cabos que são queimados para tirar o plástico e extrair o cobre, vendido a quilo em ferros-velhos. “Há noites em que não consigo dormir por causa do cheiro de queimado dos fios”, diz o empresário Augustin Kang, de 61 anos, que mora a poucos metros do Jardim da Luz, marco histórico da cidade que, ironicamente, anda às escuras em função dos atos de vandalismo.
Há cerca de um mês, no prédio onde mora o estilista Josias Freitas, o síndico instalou grades nos apartamentos do primeiro andar após um homem escalar o portão vizinho e alcançar a laje que avança sobre a calçada para se aproximar dos fios e arrancá-los.
São situações descritas como frequentes por moradores do entorno do Jardim da Luz. Os entrevistados pelo Metrópoles observam um crescimento da população de rua no centro da cidade. A percepção é confirmada por números oficiais da prefeitura, que aponta aumento constante de usuários de drogas na Cracolândia desde abril em comparação com o mesmo período em 2020.
Desde março, quando a quantidade de usuários vinha num ritmo de queda, foram registrados aumentos mensais. O ápice foi em junho, quando a administração municipal calculou a presença de 722 pessoas na Cracolândia, número 24% maior do que o mesmo mês em 2020.
Há cerca de uma semana, a Guarda Civil Metropolitana (GCM) dobrou o número de agentes que atuam na região na tentativa de coibir a montagem de barracas, onde o tráfico de drogas funciona longe dos olhos da polícia. De 80 passou para 166 o número de agentes que fazem a segurança no entorno do local.
A representante comercial Rachel Worek, de 63 anos, tem percebido na pele a degradação do bairro onde cresceu e se juntou a outras moradoras para tentar revitalizar o entorno. Elas elaboraram um projeto paisagístico para a rua Prates e aguardam autorização da prefeitura para angariar patrocinadores. “Cheguei aqui em 1956 vinda de Israel, era um bairro chique, não havia grades no Jardim da Luz e, agora, se transformou em um esgoto a céu aberto”, diz ela, que sente medo de andar na rua sozinha, desde que sofreu um assalto.