“Exigiram silêncio”: Os relatos que levaram à nova prisão de João de Deus
Novas vítimas contam que tiveram dificuldade de encontrar amparo para denunciar abusos. Uma delas chegou a ser ameaçada
atualizado
Compartilhar notícia
Vítimas citadas no processo que levou à nova prisão de João Teixeira de Faria, o João de Deus, de 79 anos, citaram, em depoimentos, ameaças, conflitos, medo e vergonha decorrentes do crime sexual que sofreram.
Denúncias de estupro de oito mulheres causaram a nova prisão do médium, nesta quinta-feira (26/8). Além delas, outras 44 vítimas são ouvidas na ação como testemunhas, já que os crimes cometidos prescreveram.
Duas das vítimas são irmãs. Uma delas relatou que os abusos afetaram toda a família. O medo de denunciar, por vezes, falou mais alto. “Meu pai deve sentir uma dor enorme de imaginar que as duas filhas foram abusadas por aquele monstro”, disse no depoimento.
A vítima conta que desenvolveu enxaqueca de fundo emocional e que passou oito anos fazendo terapia. Para ela, João de Deus roubou a alegria, a felicidade, a liberdade e a dignidade dela.
“Exigiram seu silêncio”
Em um dos depoimentos citado na decisão judicial pela prisão, uma das vítimas diz ter recebido visitas de pessoas armadas. “Ameaçaram e exigiram silêncio. Quando contei para o meu marido, ele me desestimulou a levar o caso adiante, por considerar João de Deus muito poderoso”, contou a depoente.
A mulher afirmou que antes de ir à delegacia, chegou a denunciar os abusos para pessoas que trabalhavam na Casa Dom Inácio, onde ocorriam os trabalhos religiosos comandados por João de Deus.
Uma dessas pessoas era Chico Lobo, braço direito de João, morto em 2019. Segundo a depoente, Lobo chegou a devolver o dinheiro que ela tinha gastado com passagens de avião e remédios homeopáticos receitados pelo médium.
A mulher afirma ter procurado João de Deus pessoalmente em Abadiânia, que teria negado os abusos, “desmoronado” e ficado “amuado”. “Ele alegava que estava passando por um câncer”, contou.
“Medo e vergonha”
Outras duas vítimas citadas na decisão judicial pela prisão relataram situações de medo e vergonha. “As pessoas não entendem como eu estava com medo, e sei que outras mulheres que sofreram estupros e abusos tiveram medo e vergonha, ficaram traumatizadas e foram silenciadas”, desabafou uma.
Outra citou o do julgamento de pessoas alheias ao caso. “Nunca ninguém iria acreditar em nós, nunca. Eu ia ser ridicularizada, eu ia ser excomungada.”
Volta para Abadiânia
João de Deus foi até o Fórum de Abadiânia, onde ficava seu centro religioso, para participar da audiência de custódia, na tarde desta sexta-feira (27/8).
A Justiça decidiu manter a prisão do médium e ele voltou para Aparecida de Goiânia, onde segue preso no Núcleo de Custódia, parte de maior segurança do Complexo Prisional.
Além desse processo, o Judiciário já recebeu outras 14 denúncias do Ministério Público contra João Teixeira de Faria por crimes sexuais. Em três, houve condenação. Ele foi condenado a 19 anos e 4 meses de reclusão por violação sexual mediante fraude, na modalidade tentada, violação sexual mediante fraude, e 2 estupros de vulneráveis; 40 anos de reclusão por 5 estupros de vulneráveis; e 2 anos e 6 meses de reclusão por violação sexual mediante fraude contra uma vítima.
O médium também foi condenado a 4 anos de reclusão por posse irregular de arma de fogo de uso permitido e por posse irregular de arma de fogo de uso restrito.
A defesa do médium chamou a prisão de “temerária” e alegou que ela atropelou uma determinação anterior do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO).