Exigir visto para EUA, Canadá e Japão divide governo e setor turístico
Visto para entrar no Brasil passa a vigorar em 1º/10. Governo diz que proposta não deve impactar no turismo, mas setor reprova decisão
atualizado
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Turistas da Austrália, Canadá, Estados Unidos e Japão necessitarão de visto para pisar em solo brasileiro a partir do dia 1º de outubro de 2023. A exigência estava suspensa desde 2019, mas retorna a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Segundo o governo, a medida é baseada no princípio da reciprocidade e deve ter pouco impacto no setor de turismo.
No dia 16 de março de 2019, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) revogou a necessidade de visto para viajantes da Austrália, Canadá, Estados Unidos e Japão. À época, a medida refletiu uma mudança no turismo.
Segundo dados oficiais do governo, a entrada de norte-americanos no país subiu 12%. Em contrapartida, o contingente de viajantes japoneses caiu 4%.
A atual gestão federal decidiu reintroduzir a exigência apoiada no princípio da reciprocidade: atualmente, os quatro países exigem visto para turistas brasileiros.
Em nota oficial, o Itamaraty afirmou que “o Brasil não concede isenção unilateral de vistos de visita, sem reciprocidade, a outros países”. No documento, o órgão frisa que “o governo brasileiro estará pronto a seguir negociando, com os quatro mencionados países, acordos de isenção de vistos em bases recíprocas”.
Em nota enviada ao Metrópoles, o Ministério do Turismo aponta que “irá trabalhar com o Ministério das Relações Exteriores medidas para facilitar a emissão de vistos, como o visto eletrônico, obtido no prazo de 24 horas, de forma on-line e sem a necessidade de deslocamento aos consulados”.
Desta forma, o processo não deve apresentar grandes dificuldades para aqueles que desejam visitar o Brasil. O órgão reitera que a facilitação da emissão do documento é suficiente para um acréscimo de 25% na entrada de estrangeiros no país, segundo estudo da Organização Mundial do Turismo (OMT) e do Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC).
Destino turístico
O setor de turismo é responsável por 3,7% do PIB nacional, segundo IBGE. Dados do governo apontam que, entre os anos 2017 e 2018, os países em questão representaram cerca de 10% do total de turistas internacionais.
Para contrabalancear a possível perda, o Ministério do Turismo aposta que “o retorno do Brasil como sede de grandes eventos internacionais, potencializado pela agenda da presidência brasileira do G20, em 2024, e a presidência do Brics, bem como a candidatura do país para sediar a COP 30, em 2025, também devem contribuir para fortalecer o Brasil como um importante destino turístico no cenário internacional”.
Impacto desastroso
Lenora Horn Schneider, presidente da Associação Brasileira de Turismólogos e Profissionais do Turismo (ABBTUR), critica a medida: “Temos muito a lastimar e nos manifestamos totalmente contrários porque consideramos um ato de retrocesso para todo um Plano Nacional de Turismo”. A turismóloga frisa que o impacto pode ser “desastroso” para a oferta turística e que os turistas devem optar por destinos com mais facilidade de acesso.
Lenora ressalta que a pandemia de covid-19 impactou o setor turístico, e a revogação do visto veio para promover o reaquecimento do mercado. Por fim, a presidente espera que ocorra a revogação da exigência de vistos “Esperamos que a Embratur e Ministério do Turismo, junto ao Ministério da Economia, consigam reverter esta situação”.
O Metrópoles teve acesso a documento assinado pelos representantes da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Aeroportos do Brasil (ABR), Associação Latino-Americana e do Caribe de Transporte Aéreo (Alta), International Air Transport Association (Iata) e pela Junta de Representantes das Companhias Aéreas Internacionais do Brasil (Jurcaib).
Endereçado à Ministra do Turismo, Daniela Carneiro, o texto revela preocupação das organizações frente à volta da exigência do visto. O documento pede para que a medida seja reconsiderada em prol do crescimento do setor. Cópias do ofício também foram enviadas a Rui Costa, Ministro-Chefe da Casa Civil, Marcio França, Ministro de Portos e Aeroportos, Marcelo Freixo, presidente da Embratur, e Jorge Viana, presidente da Apex-Brasil.
Sem princípio da reciprocidade
Glauber Santos, professor do programa de pós-graduação em Turismo da Universidade de São Paulo (USP), avalia que a isenção do visto poderia gerar receita de R$ 800 milhões por ano. Em artigo publicado, o acadêmico defende a quebra do princípio da reciprocidade baseado em estudos que projetam bons números para tal cenário. “Como os resultados contradizem a ideia de efeito nulo, percebi que a análise merecia ser amplamente divulgada”, aponta.
“Encontrei comentários da mídia e do governo sugerindo que a isenção de vistos não teria tido efeito no Brasil e fiquei surpreso, pois a esmagadora maioria da literatura científica sobre o tema afirma que a isenção de vistos favorece o fluxo de turistas”, justifica o professor, quando perguntado sobre a motivação para produzir o artigo de forma independente.
Santos esclarece que há precedentes para a quebra do princípio de reciprocidade: “Muitos países já usaram a isenção de vistos como estratégia para fomentar o turismo receptivo internacional”. O professor, então, descreve a ação como tendência global: “Um estudo do Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC) de 2019 mostrou que a exigência de vistos está diminuindo ao redor do mundo, e um dos objetivos é o fomento ao turismo”.
Os números dos oito meses entre a queda da exigência do visto no Brasil e o início da pandemia de Covid-19 exemplificam o impacto discutido, segundo Santos. “A análise dos meses estudados, somada à vasta literatura científica sobre o tema, é suficiente para afirmar que a isenção de vistos teve e continuaria tendo efeito sobre a atração de turistas internacionais para o Brasil”, assegura.
“Determinação justa”
O assistente social canadense Jeremy Mesich, 28, sonha em conhecer o Brasil e conta que o requisito não deve impedi-lo de realizar o desejo: “Já fui a diversos países que exigem visto. Não é um processo complicado, então, para mim, não faz diferença”. Ele declara que acha a determinação justa: “Não podemos exigir vistos de outros países e ficarmos surpresos se eles exigirem de volta”.