Ex-chefe prisional acaba como vizinho de cela de Cabral e Jairinho
Ex-secretário Raphael Montenegro foi flagrado em conversas negociando com líderes do Comando Vermelho, detidos em penitenciária federal
atualizado
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Rio de Janeiro – De secretário a preso, o advogado Raphael Montenegro deixou o posto de titular da Secretaria de Administração Penitenciária para ocupar, desde a tarde desta terça-feira (17/8), uma cela no Presídio Pedrolino Werling de Oliveira, conhecido como Bangu 8, no Complexo Penitenciário do Gericinó, na zona oeste da cidade. Antes responsável por administrar a cadeira do Rio, ele foi flagrado em conversas gravadas por escuta ambiente negociando com líderes do Comando Vermelho, presos na Penitenciária Federal de Catanduvas, no Paraná.
Em Bangu 8, Montenegro passa a dividir o quintal com vizinhos ilustres, também conduzidos de seus cargos públicos direto para a cadeia, como o ex-governador Sérgio Cabral Filho, que acumula a marca de 20 condenações, que, juntas, ultrapassam 350 anos de prisão. Cabral foi preso pela primeira vez em 2016, em ação da operação Lava Jato (ele foi alvo de pelo menos outras seis operações da Polícia Federal), respondendo por por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
Outro vizinho famoso de Montenegro é o vereador cassado Jairo Souza Santos Junior, o Jairinho, acusado de torturar e matar o enteado, o menino Henry Borel Medeiros, de 4 anos. De acordo com as investigações da Polícia Civil, Jairinho matou Henry durante sessão de agressões, prática comum, segundo a polícia, uma vez que ele é acusado de repetir, sem matar, as torturas e ameaças para filhos de pelo menos outras três mulheres com quem se relacionou.
Recém-chegado
Pouco antes de Montenegro, a unidade prisional recebeu ainda o ex-deputado federal e presidente do PTB, Roberto Jefferson, que segue isolado, desde a sexta-feira (13/8), na cela F de Bangu 8. O local era antes ocupado pelo presidente nacional do PSC, pastor Everaldo Dias Pereira, de 65 anos, que deixou a prisão no mês passado. Jefferson foi preso por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, por suposta participação em organização digital montada para atacar a democracia.
Preso nesta terça-feira (17/8), o agora ex-secretário de Administração Penitenciária se tornou titular da pasta em janeiro, nomeado pelo atual governador, Cláudio Castro, mas já tinha conduta irregular no governo no período em que Wilson Witzel era o governador do Estado. Montenegro foi assessor, no Gabinete Civil, do ex-secretário Lucas Tristão, preso em agosto de 2020, quando estava no comando da secretaria de Desenvolvimento Econômico. Tristão também ficou detido em Bangu 8, mas recebeu o benefício de prisão domiciliar, com uso de tornozeleira eletrônica.
Mesmo sob segredo de Justiça, trechos de conversas gravadas dentro da Penitenciária Federal de Catanduvas, no Paraná, entre Montenegro e traficantes líderes da facção criminosa Comando Vermelho, a maior do Rio, sustentam a decisão de prender temporariamente o secretário e mais dois integrantes da cúpula da pasta.
As escutas revelam que Montenegro negociou trégua com criminosos, demonstrando aos bandidos as vantagens de um cessar fogo entre policiais e traficantes. “É mais barato para vocês não ter guerra. Se vocês não precisarem de 400 fuzis e tiverem só 100 para se defender, o lucro é maior, pô”, disse Raphael a um dos chefes encarcerados no Paraná.
O encontro de Raphael Montenegro com o traficante Márcio Nepomuceno, o Marcinho VP, aconteceu em maio, após um pedido de visita do ex-secretário ao Presídio Federal de Catanduvas (PR), o que levantou suspeitas. “O fato foi apontado como incomum pela corregedoria da penitenciária”, destacou o desembargador federal Paulo Cesar Espírito Santo.
Nas conversas, Raphael Montenegro também diz que o traficante é mais importante que a figura de um secretário de Segurança Pública – cargo extinto no governo do Rio. A decisão aponta que Montenegro foi gravado negociando com vários líderes do Comando Vermelho, como Marcinho VP, FB, Claudinho da Mineira, Arafat e Marreta. Em contrapartida aos benefícios oferecidos à quadrilha, a cúpula da facção daria uma trégua em determinadas atividades criminosas — como a venda de crack. O objetivo seria fabricar uma falsa sensação de tranquilidade social.