Eventos climáticos: Brasil pode ter que deslocar 3 milhões de pessoas
Previsão é do climatologista Carlos Nobre. Estado do Rio Grande do Sul deve ser exemplo de movimentação forçada de pessoas em larga escala
atualizado
Compartilhar notícia
O Brasil poderá ter que mudar, nos próximos anos, o lugar de moradia de até 3 milhões de habitantes por causa da suscetibilidade a eventos climáticos extremos. A estimativa é do climatologista brasileiro Carlos Nobre, que fez carreira no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Um levantamento de 2018, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), calculava 2 milhões de pessoas morando em “Áreas de altíssimo risco de inundações, deslizamentos e encostas” e que precisariam ser removidas.
O número acima levava em conta a análise de 825 municípios, com base nos dados do Censo de 2010. “Agora, (o Cemaden) está refazendo esse estudo para mais de 1.900 municípios. O número vai passar, certamente, de 3 milhões de brasileiros (que precisarão ser removidos)”, disse Nobre ao Metrópoles. O Censo de 2022 será tomado como referência de base populacional.
As pessoas que têm de deixar o local onde vivem por causa de eventos naturais extremos são consideradas, por parte dos estudiosos do tema, como refugiados climáticos. “(São pessoas que) tiveram de deixar o seu lugar original e, talvez, abandonar o tipo de vida que a pessoa tinha, que morava talvez em casa e tinha um terreno onde cultivava algo, criava algum animal”, diz o coordenador-Geral de Operações e Modelagem (CGOM) do Cemaden, Marcelo Enrique Seluchi.
Nos últimos anos, o Brasil colecionou casos de áreas atingidas por eventos extremos e que tiveram as populações deslocadas. São Sebastião (SP), por exemplo, enfrentou fortes chuvas em 2023 e houve áreas com construções impedidas após isto. Situações semelhantes foram relatadas pelos entrevistados no Recife, Sul da Bahia e Norte de Minas Gerais.
O secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini, afirma que o deslocamento de populações por consequência de eventos climáticos será visto de forma ampla nos estados da Região Sul.
“Vamos agora, experimentar isso no Sul do País em larga escala, infelizmente, é bem possível que isso aconteça. O que vai se fazer nesta região, são estudos para ver se obras de engenharia dão conta de minimizar os impactos de eventos (futuros) como este”, considera Astrini.
Áreas de risco
O número total de pessoas vivendo em áreas de risco no Brasil, que não necessariamente precisariam se mudar, era de 8,27 milhões em 2018. Este valor também deve aumentar com a revisão do Cemaden.
Parte importante desta população está na região Sul do País, onde em 2018 estavam 15% das áreas de risco mapeadas nos 144 municípios analisados no Estado. Ela é a terceira neste quesito, atrás apenas das regiões Sudeste (54,3%) e Nordeste (22%).
No caso específico do Rio Grande do Sul, que enfrenta um evento climático extremo sem precedentes desde o fim de abril, havia 274.390 pessoas em áreas de risco nos municípios monitorados. Até esta quinta-feira (9/5), o número de desalojados era de mais de 327 mil pessoas e havia outros 68 mil em abrigos. Os atingidos eram 1,7 milhão entre todos os 10,9 milhões de gaúchos.
Explicação
Seluchi explicou que o que aconteceu no Rio Grande do Sul foi a combinação de ao menos quatro fatores. Uma frente estacionária fez o frio se manter na região. A região também recebeu umidade vinda do Norte do Brasil. Ao mesmo tempo, o aquecimento das águas do Oceano Pacífico, provocado pelo El Niño, produziu vapor d’água.
O aquecimento global também contribuiu. “Como o planeta está mais quente, os oceanos acompanham, e oceanos mais quentes evaporam mais umidade (…). Tudo isso é matéria-prima para as chuvas. Elas estão se tornando mais intensas e mais frequentes”, completa o coordenador do Cemaden.
Nobre lembra que não só os fenômenos ligados às chuvas, mas também as secas estão batendo recordes em todo o mundo. “A gente nem chama mais de mudança climática, chamamos de emergência climática.”
Soluções
Os entrevistados pelo Metrópoles apontam basicamente duas etapas para lidarmos com o que está acontecendo e com o que, certamente, virá. A primeira palavra é, de imediato, prevenção.
A prevenção inclui a elaboração de planos de contingência que orientem os habitantes de áreas de risco sobre os procedimentos de fuga. “O Brasil e o mundo têm de se preparar, fazer sistemas de alerta. (Estruturar) Defesa Civil que vai alertar na véspera do evento, não depois que o evento ocorreu, e as pessoas têm de estar muito educadas para saírem dos lugares de risco”, explica Nobre.
O climatologista acrescenta que a segunda etapa é desenvolver “no médio prazo” soluções para os locais que não oferecem segurança para as populações.
O secretário-executivo do Observatório do Clima frisa ser necessário reconstruir o que for possível “olhando para este novo normal” e “preparar a infraestrutura que não foi destruída, ver se há algo que se possa fazer para ela ser mais resiliente”.
“Você vai ter de ir até o limite do que a engenharia tem para te oferecer. Chega um ponto que ela não consegue mais resolver o impacto que pode ser causado. Aí tem de pensar em outras soluções, talvez remoções ou alguma coisa assim”, sentencia Astrini.
Por último, Astrini lembra ser relevante a população ficar de olho no Congresso para a “consistente” legislação ambiental não ser desfeita. “Temos neste momento um projeto de lei, que está na pauta de análise da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, que tem o potencial de causar como impacto um desmatamento na Amazônia 30 vezes maior do que o do ano passado”, alerta ao citar o PL 3.334/2023.