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Esportes digitais movimentam milhões e podem virar modalidade olímpica

Segundo levantamentos, os chamados e-Sports têm mais espectadores que as finais da NBA e devem movimentar US$ 700 milhões em 2017

atualizado

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Enquanto você lê esta frase, um adolescente sentado em frente a uma tela pode estar ganhando cifras acima de seis dígitos. Em dólares. Jogando videogame. Achou pouco? Em alguns anos – os otimistas falam em 2024 – talvez represente o seu país nos Jogos Olímpicos. Aliás, se entrar hoje mesmo nos Estados Unidos, já leva no passaporte o carimbo P-1A, de atletas, o mesmo que Neymar ou o ginasta Arthur Zanetti carregam.

Bem-vindo ao mundo dos chamados e-Sports, uma modalidade de jogos e disputas virtuais que movimenta cifras imensas todos os anos, que cresce como poucos setores da economia e mobiliza mais espectadores do que as finais da NBA, liga norte-americana de basquete profissional. A diferença, no entanto, é que no caso dos jogos virtuais, as linhas e redes das maiores arenas do mundo servem apenas para ambientar os campeonatos. Os embates entre os participantes acontecem via uma tela de alta resolução e os comandos são dados por meio de botões.

Embora estranho para muita gente, esportes virtuais são uma realidade há alguns anos. No Brasil, a Confederação Brasileira de Futebol Digital (CBFDV) é a entidade responsável por organizar, já há 12 anos, torneios e reunir atletas do Fifa e Pro Evolution Soccer – este último com muito mais afinco. Nos EUA, o tal carimbo para atletas passou a se estender a gamers em 2013. Desde 2015, esses jogadores integram o Comitê Olímpico da Coreia do Sul na mesma categoria dos chamados “esportes da mente”, como o xadrez. Videogame virou coisa séria.


Até Ronaldo Fenômeno entrou na onda. No início deste ano, o ex-jogador anunciou que se juntaria ao astro do pôquer André Akkari como investidor da CNB, uma equipe brasileira de League of Legends (LoL).

“[Os jogos eletrônicos] São um movimento impressionante. Como atletas, encontramos na CNB ideais que têm tudo a ver com os nossos, e vamos transferir para os e-Sports a adrenalina das partidas nos campos de futebol e nas mesas de pôquer”, declarou Ronaldo à época, durante coletiva de imprensa. A final do Campeonato Brasileiro de LoL do ano passado reuniu nada menos que 15 mil pessoas no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo (foto em destaque).

O hobby de milhares de dólares
Quem viu o então jogador do Goianésia Wendell Lira ganhar o Prêmio Puskás de 2015 por um golaço contra o Atlético-GO pelo Campeonato Goiano nem imagina o que o fez se aposentar. Ele segue craque no futebol, mas longe dos campos. Aos 27 anos, seis meses depois de desbancar Lionel Messi na Suíça, largou os gramados e anunciou que se tornaria profissional dos videogames.

Na época, Lira disse que a decisão foi carimbada pelas desilusões em campo – o de verdade, no caso. “Vim desgastado do futebol, pelas mentiras, pela sujeira”, destacou em uma entrevista ao Globo Esporte em julho do ano passado. “Apareceu algo muito bom fora do futebol, algo que nunca imaginei que pudesse surgir, mas que eu sempre sonhei para a minha vida. Entrei de cabeça”, resumiu.

Promissor, mas quem entende do assunto afirma que 2017 não tem sido o ano de Lira nos gramados de pixels e bites. Problemas com vistos e conflitos de agenda o deixaram fora dos principais campeonatos do esporte. Em vez disso, a bola da vez ficou com outro brasileiro, um jovem de 18 anos que nasceu já na era dos games. Guilherme “GuiFera” Fonseca – o nickname é a assinatura dos craques no mundo do esporte digital – diz que “já nasceu jogando videogame”.

Em comum com o ex-atacante do Goianésia, GuiFera tem um pé no futebol profissional dos campos reais. Não fosse uma lesão no joelho, talvez o paulista estivesse despontando hoje como aposta dos gramados. Até 2014, atuava como goleiro na categoria de base do XV de Jaú, time da cidade onde vive, no interior de São Paulo. Aposentado dos campos precocemente por motivos de força maior, decidiu focar nas partidas de Pro Evolution Soccer.

Em fevereiro de 2016, o adolescente saiu campeão do Torneio Mundial de PES, realizado em Londres. Disputou o título ao lado de outros 15 jogadores, sendo o único brasileiro. Como prêmio, carimbou o passaporte na faixa, assistiu à final da Champions League no estádio do Arsenal (Inglaterra) no dia seguinte, e ainda embolsou uma quantia bem pouco irrisória para um menino de 18 anos: US$ 200 mil (cerca de R$ 630 mil). No ano anterior, havia saído do mesmo campeonato “apenas” com o segundo lugar. O cheque era menor: US$ 100 mil (R$ 315 mil).

“Meu plano A é seguir jogando profissionalmente e ser contratado por um clube”, contou o jovem, como quem negocia um contrato na série A do Brasileirão. Não é maluquice: chegou a ser assediado pelo Santos e pelo Flamengo para representar as equipes no esporte digital. A contratação lhe renderia mais do que cheques gordos em campeonatos internacionais: camisa, salário e benefícios de jogador profissional. Até lá, consegue conciliar a vida virtual com a real. “Treina” de quatro a cinco horas diariamente, todos os dias. À noite, frequenta a faculdade de ciências da computação.

“Hoje vivo disso. Mas como dependo de campeonatos, não consigo tirar um valor fixo todos os meses. No entanto, com o que ganho, faço uma poupança”, detalhou. A remuneração atrativa também ajudou na hora de explicar para os pais que o brinquedo tinha virado mais que passatempo. “No começo era difícil porque nem eu e nem meus pais conhecíamos esse mundo profissional. Mas fui pegando conhecimento na área, enchendo o saco deles, e hoje me apoiam e incentivam”, garante GuiFera.

Contrato e camisa de time francês
A profissionalização que o campeão de PES busca já chegou para Rafael “RaFifa13” Fortes, de 22 anos. Em fevereiro do ano passado, o carioca foi campeão na regional das Américas do Fifa 17 Ultimate Team Championship Series. O título rendeu ao brasileiro US$ 30 mil (cerca de R$ 94 mil) e uma contratação pelo francês Paris Saint-Germain, um dos maiores times de futebol do mundo, com direito à camisa com seu nome nas costas e salário em moeda estrangeira.

“A partir do momento em que passei a ganhar dinheiro com isso, em 2012, já não levava mais como hobby”, explicou o jogador. “Quando surgiu a oportunidade, abracei o Paris com todas as minhas forças e decidi seguir como profissional. É um sonho”, ressaltou.

Em agosto de 2016, RaFifa13 seguiu para o Mundial de Berlim da modalidade já defendendo a camisa do PSG como único gamer brasileiro contratado por um clube internacional para jogar futebol digital profissionalmente. Disputava uma fatia dos US$ 1,3 milhão em prêmios distribuídos no campeonato. Caiu na quarta colocação, mas foi o brasileiro a chegar mais longe na competição.

Vestindo a camisa do time francês, o jovem largou de vez a vida tripla de estudante, funcionário e jogador. Vive exclusivamente do salário e das premiações, abandonou o emprego em uma agência de publicidade, mas ainda equilibra a rotina na Faculdade de Relações Públicas, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro. “Em final de Fifa 17 [a versão 2018 ainda está para ser lançada], a rotina fica tranquila. Treino com atletas do cenário brasileiro cerca de duas ou três horas por dia, durmo e estudo (risos). Quando o Fifa18 sair fico mais ‘integrado’ no videogame”, comentou.

Ele é proibido, por contrato, de falar em valores, mas diz que a remuneração lhe dá uma “tranquilidade legal”. Além dele, outros quatro jogadores integram o time de Fifa do PSG – dois franceses, um atleta do Qatar, um americano e RaFifa, representando o Brasil.

No Brasil, o Goiás é o único time a investir em jogadores profissionais de Fifa. A última contratação do clube (foram duas até agora) foi Lucas “LucasRep98” Gonçalves, de 19 anos, adversário (e amigo pessoal) de RaFifa13 na final do regional das Américas em Miami (EUA), em fevereiro.

Lucas venceu a disputa de PlayStation e pegou o carioca, que joga com XBox One, na final geral. O bom desempenho lhe rendeu US$ 20 mil (aproximadamente R$ 63 mil) e uma vaga no Mundial de Berlim. Mal voltou, recebeu a proposta do time goiano.

“Achei que seria tranquilo. Foi completamente diferente do que pensei. Tive até que ir pra Goiânia, teve coletiva de imprensa, fui apresentado como um jogador mesmo”, disse, em tom divertido.

A contratação quase transformou um sonho de infância de Lucas em realidade: quando criança, sonhava em ser jogador profissional. Era bom nisso, jura. “Mas não deu certo. Agora jogo com os amigos”, contou. Com o salário, secreto, afirma viver “tranquilamente”. Ele terminou o segundo grau no ano passado e, assim como o amigo do PSG, espera conciliar uma faculdade com as horas grudadas no console: ao todo, cinco ou seis todos os dias. “Dá para conciliar. O Rafa mesmo concilia. Isso também ajuda a tranquilizar as mães”, declarou, rindo.

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