“Espero meu filho sair do barro”, diz pai de vítima de Brumadinho
Familiares e amigos das vítimas do rompimento da barragem da Vale aguardam, incansáveis, às buscas por sobreviventes
atualizado
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Familiares e amigos das vítimas do rompimento da barragem I da Mina Córrego do Feijão, da Vale, na cidade de Brumadinho (MG), ainda desaparecidas, têm esperanças de rever seus entes queridos. Um deles é Wilson Francelino Caetano. Pai do mecânico Luiz Paulo Caetano, de 31 anos, acompanha incansável as buscas da equipe do Corpo de Bombeiros do Estado de Minas Gerais por sobreviventes. A tragédia de Brumadinho contabiliza até agora 115 mortos, dos quais 71 já foram identificados, e 238 permanecem desaparecidos.
Sentado sobre um amontoado de raízes e galhos mortos, Caetano observava, imóvel, os agentes oficiais que passavam para se agruparem nos tapumes que cobriam o barro. Chegou um padre, depois um policial civil com violão debaixo do braço. Sobre um pequeno amontoado de terra, uma cruz foi erguida. Caixas de som colocadas sobre o entulho seco testavam os microfones, uma corneta e um violão às 12h36. Começava, assim, os rituais de homenagens às vítimas, realizado na sexta-feira (1/2).
Os jornalistas se aglomeraram em busca de uma melhor posição para registrar a cerimônia e a chuva de pétalas de rosas anunciada pelo Corpo de Bombeiros. As flores enviadas pela população de Belo Horizonte seriam lançadas por helicópteros no horário exato do rompimento da barragem do Córrego do Feijão, a tragédia que, uma semana atrás, às 12h28, levaria centenas de vidas em Brumadinho.
Caetano acendeu um pequeno cigarro de palha, com alguma atenção pregada no discurso que teve início às 12h46. Sentado, com a cabeça apoiada na mão, acompanhava tudo com algum distanciamento. Vieram, então, as canções religiosas, o violão falhava, um cantor pedia “cura, Senhor, onde eu não posso ir”.
Caetano também não podia ir. Se pudesse, já teria partido em busca do filho desaparecido. O rapaz, que tinha acabado de se casar e não era de Brumadinho. Foi chamado pela Vale para trabalhar justamente naquela sexta-feira. Precisava consertar umas máquinas da mina do Córrego do Feijão.
Dez helicópteros se posicionaram no céu, à espera do fim do culto e do hasteamento das bandeiras do Brasil e de Minas. Seguiram-se os protocolos militares no barro, as continências e os sopros da corneta. Caetano olhava para cima.
Às 13h09, viu as aeronaves despejarem as flores. O giro das hélices espalhou as pétalas pela baía de lama que os rejeitos da Vale abriram pelo caminho. Seis minutos depois, a cerimônia foi encerrada com aplausos e comoção generalizada. Parentes e amigos de vítimas se ajoelharam e choraram sobre a lama que ainda esconde seus parentes.
Resgate
No céu, os helicópteros partiram para o apoio às buscas das mais de 230 pessoas que ainda não foram encontradas. Sobre a lama, os porta-vozes das autoridades reuniram os jornalistas para dizer que todas as equipes continuarão mobilizadas e não há prazo para a conclusão do trabalho. Ninguém da Vale por ali. Os oficiais ainda ensaiaram alguma argumentação para dizer que a empresa estava apoiando os serviços, mas não disseram como. Fim das perguntas e das respostas. Todos foram embora.
Embaixo de uma das poucas árvores que restaram de pé, Caetano permanecia sentado, os olhos no barro e a palha na boca. Sentei-me ao seu lado e perguntei se ele morava por ali. “Não”, disse ele. Depois de um silêncio, emendou. “Espero meu filho sair do barro”.