Especialistas explicam impacto da retirada de celulares nas escolas
Projeto de lei que proíbe uso de celulares em salas de aula será apresentado em outubro. Especialistas explicam o impacto no aprendizado
atualizado
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O Ministério da Educação (MEC) anunciou um projeto de lei para proibir o uso de celulares em salas de aula de escolas públicas e privadas, gerando uma enxurrada de opiniões sobre os benefícios e desvantagens da medida. A proposta está prevista para ser apresentada em outubro deste ano. Metrópoles conversou com especialistas para entender qual é o impacto da retirada dos aparelhos nos alunos.
Uma pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais, publicada no ano passado, revelou que o uso excessivo de telas está associado à piora da saúde mental dos usuários, independentemente da idade. O levantamento foi feito pelo Programa de pós-graduação em Medicina Molecular da Faculdade de Medicina da UFMG.
Os resultados da pesquisa indicaram a presença do transtorno de nomofobia, o medo de ficar longe do celular, em idosos. O estudo também avaliou crianças, constatando que 72% delas apresentaram aumento nos sintomas de depressão associada ao uso excessivo de telas.
Em 2023, 97,6% dos estudantes da rede privada e 89,1% dos alunos da rede pública utilizaram a internet, com a diferença entre esses grupos variando conforme o nível de escolaridade, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Especialistas apontaram influências positivas e negativas do uso do celular no processo de ensino-aprendizagem para os estudantes. De acordo com a psicóloga clínica Alessandra Araújo, o contato excessivo com os celulares está associado a um aumento de transtornos psicológicos em adolescentes, como ansiedade e depressão.
Ela destaca que a presença dos celulares em sala de aula “pode compremeter seriamente a capacidade de concentração dos alunos. Notificações constantes, mensagens e redes sociais funcionam como distrações contínuas, interrompendo o foco e fragmentando a atenção necessária para absorver o conteúdo escolar”.
“A constante exposição às redes sociais, a necessidade de validação por curtidas e comentários, e a comparação social com os colegas podem gerar sentimentos de inadequação e baixa autoestima. Além disso, o medo de “ficar de fora”, conhecido pela sigla Fomo (do inglês, Fear of Missing Out), aumenta a ansiedade, já que muitos adolescentes sentem a necessidade de estar sempre conectados e atualizados sobre o que está acontecendo no mundo digital.
“A falta de interação social presencial e a substituição dessas conexões por conversas virtuais pode levar a um isolamento emocional, afetando o bem-estar mental”, explica a profissional.
Alessandra enfatiza a importância de educar os alunos de forma saudável em relação à tecnologia, sugerindo estratégias como oferecer programas, estabelecer horários e momentos adequados para o uso do telefone e promover a desintoxicação digital.
No ano passado, 87,6% das pessoas com 10 anos ou mais possuíam um telefone móvel celular para uso pessoal, representando um aumento de 1,1 ponto percentual em relação a 2022, quando essa taxa era de 86,5%. A maioria das pessoas que não utilizava o celular tinha, no máximo, o ensino fundamental incompleto ou era idosa, de acordo com o IBGE.
A pedagoga e coordenadora de educação básica do Colégio Mackenzie em Brasília, Débora Camargos, afirma que o celular favorece o dinamismo das aulas, o engajamento dos alunos e a agilidade nas pesquisas, além de promover a interação direta entre professores e estudantes. No entanto, ela ressalta que, apesar dos benefícios, o celular pode gerar exclusão, uma vez que nem todos os alunos têm as mesmas condições de acesso à internet.
“O uso excessivo de celulares pelas crianças e jovens vem revelando que eles têm preferido a interação mediada pela tecnologia do que a boa e desafiadora convivência, que ensina e educa todos os envolvidos. No mundo virtual, as frustrações podem ser contornadas, evitadas, ao contrário do que ocorre na vida real”, diz Débora.
“Não é incomum, numa escola contemporânea, observar jovens em horário de intervalo sentados juntos mas cada um navegando em seu smartphone ao invés de dialogarem, conviverem”, relata.
Débora destaca que o uso excessivo do aparelho traz sérios “prejuízos ao desenvolvimento social” e que a proibição do celular pode oferecer alguns benefícios, “especialmente para o professor, que não precisará gastar tempo e energia coibindo o uso indevido dos aparelhos que não tenham cunho pedagógico”.
“No entanto, não acredito em proibição e sim em orientação, educação que promove a consciência, a emancipação. Proibir o uso em sala de aula não irá difundir a cultura e a compreensão de que a sociedade contemporânea necessita”, explica a pedagoga.
Restrição do celular
O psicanalista Gabriel Hirata explica que o movimento de “arrasta pra cima” no celular, utilizado principalmente para navegar entre conteúdos, acelera a percepção de tempo do usuário. Isso impede que ele se envolva em narrativas mais longas e profundas, limitando sua capacidade de interiorização sobre o que está sendo apresentado na realidade.
“É preciso muita escuta e, às vezes, acompanhamento profissional para o adolescente compreender aquilo que se passa na relação com o celular, e não apenas uma restrição total ao aparelho que o conecta e sociabiliza, mesmo que de forma precária, entre seus pares”, conta Hirata.
Gabriel relata que os “ideiais inalcançáveis que circulam nas redes sociais tornam o padrão de exigência cada vez mais insuportável para o adolescente”.
O ministro da Educação, Camilo Santana, planeja proibir o uso de aparelhos celulares em sala de aula e a medida valerá para escolas públicas e particulares. O assunto, diz Santana, tem sido discutido com o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).