Escrivã de MG desabafou sobre assédio antes de morrer: “Medo de falar”
Rafaela Drumond foi encontrada sem vida na última sexta (9/6) pelo pai, em MG. Ela relatou sofrer assédio e perseguição na Polícia Civil
atualizado
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A escrivã da Polícia Civil de Minas Gerais Rafaela Drumond, encontrada sem vida pelo pai na última sexta-feira (9/6), compartilhou com amigos, em mensagens de áudio e texto, o cenário de impunidade e a pressão psicológica que enfrentava por causa de assédio, perseguições e episódios de “retaliação” no trabalho.
“Mesmo a gente estando certa, a gente está errada, a gente sofre retaliação. A gente tem medo de falar, e quando fala, é pior ainda pra gente, porque a gente é perseguido”, desabafou a jovem, em mensagens de áudio vazadas nas redes sociais.
Chorando, a policial compartilhou o sentimento de impotência e falta de suporte dentro da corporação, e reclamou do esgotamento causado pela sobrecarga.
“Esses covardes da polícia, principalmente do ‘alto escalão’, falam que faz, mas são tudo uns ‘engomadinho’ [sic]. É por isso que está todo mundo adoecendo, todo mundo pegando licença, tá todo mundo nem aí”, prosseguiu.
“Eu não estou aguentando mais, porrada de tudo quanto é lado. Mostra esse áudio, é pra aparecer mesmo, não vai adiantar nada. Porque o ser humano é um lixo, e daqui a uma semana ninguém vai nem estar lembrando”.
Rafaela, de 31 anos, foi encontrada sem vida pelo pai no último fim de semana, em Antônio Carlos, município de Minas Gerais. O caso foi registrado como suicídio. A jovem trabalhava como escrivã na Polícia Civil do estado e estava lotada no município de Carandaí.
“Procurou ajuda”
Em entrevista ao Metrópoles, o pai de Rafaela, Aldair Divino Drumond, disse que reparou uma mudança no comportamento da filha desde o início do ano, mas que ela não chegou a contar sobre problemas no trabalho, possivelmente, na tentativa de preservá-los.
“Já tinha notado ela meio triste, parece que ela não queria que a gente ficasse sabendo de alguma coisa que estivesse acontecendo com ela”, conta o pai.
Sem saber o que estava acontecendo no trabalho da filha, ele acreditava que a mudança de comportamento de Rafaela era devido à rotina de estudos, já que ela tinha o sonho de se tornar delegada de polícia.
“Foi um desespero total [encontrar Rafaela sem vida]. Eu não entendi o por que que ela fez isso. Qual motivo levaria ela fazer isso com a vida dela?”, afirmou Aldair. “Agora, a luta é pela dignidade da minha filha e pela dignidade de todas as mulheres que sofreram o que a minha filha sofreu.”
“Acho que ela procurou ajuda no lugar errado, conversou com a pessoa errada. Acho que ela procurou ajuda com algum órgão, como sindicato, e eles não apoiaram e ela pensou que ia perder a vida dela. Acho que ela pediu ajuda e ninguém ajudou”, lamenta o pai de Rafaela.
Na segunda-feira (12/6), a Polícia Civil abriu inquérito para investigar as denúncias de assédio dentro da própria corporação. Nenhum suspeito teve o nome divulgado.
O Sindicato dos Escrivães da Polícia Civil de Minas Gerais (Sindep-MG) informou ao Metrópoles que teve conhecimento do caso na última semana, mas não revelou o teor dos relatos da vítima.
O Sindep pontuou ainda que recebeu outras denúncias e que programou visita técnica à regional. Contudo, não houve tempo hábil para intervenção antes da morte da jovem. A organização alega que entrou em contato com as autoridades para cobrar providências cabíveis, e frisou que a morte da escrivã “não é um caso isolado”.
“Ainda no sábado [10/6] entramos em contato com a chefe de Polícia e falamos da necessidade de investigar o caso. Temos informações de que há outros colegas adoecidos naquela unidade”, assinalou o sindicato.
Busque ajuda
O Metrópoles tem a política de publicar informações sobre casos ou tentativas de suicídio que ocorrem em locais públicos ou causam mobilização social, porque esse é um tema debatido com muito cuidado pelas pessoas em geral.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que o assunto não venha a público com frequência, para o ato não ser estimulado. O silêncio, porém, camufla outro problema: a falta de conhecimento sobre o que, de fato, leva essas pessoas a se matarem.
Depressão, esquizofrenia e uso de drogas ilícitas são os principais males identificados pelos médicos em um potencial suicida – problemas que poderiam ser tratados e evitados em 90% dos casos, segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria.
Está passando por um período difícil? O Centro de Valorização da Vida (CVV) pode ajudar você. A organização atua no apoio emocional e na prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo, por telefone, e-mail, chat e Skype, 24 horas, todos os dias.”