Erica Malunguinho, 1ª trans da Alesp, mira pioneirismo no Congresso
Primeira deputada estadual trans em SP, ela quer estender suas pautas para a esfera federal e elege como prioridade acabar com a fome
atualizado
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São Paulo – Érica Malunguinho (PSol), a primeira deputada estadual transexual do país – eleita para a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) em 2018 –, quer chegar à Câmara dos Deputados para integrar um “processo de redemocratização” do Brasil, que ela acredita que haverá em 2023.
“Após um período de retrocessos, de perda de direitos e de avanço de pautas conservadoras, a gente vai viver uma nova redemocratização. É importante que alguns temas e corpos participem diretamente dessas decisões no cenário nacional”, afirmou, em entrevista ao Metrópoles.
Caso eleita, ela será pioneira também na esfera federal. Até hoje, o Brasil nunca elegeu uma deputada federal trans. A parlamentar, que também é artista plástica e educadora, diz que a única maneira de acelerar o processo de representatividade na política – que ainda caminha a passos lentos – se dá com o voto da população.
“Tem candidatos e candidatas pessoas trans e LGBT. A população precisa votar, acreditar, confiar, romper os estigmas. Eu tenho um papel nesse processo, que sou a primeira eleita, no sentido de trazer com radicalidade esses temas de gênero e raça, e de ser uma certa precursora, das pessoas olharem e verem que é possível esse corpo dentro do processo institucional. E abrir caminho para que muitas pudessem ser eleitas”, destaca.
Ela também ressalta que a cabe aos partidos verem pessoas trans como possíveis, darem recursos para as campanhas eleitorais e garantirem visibilidade. “É um trabalho em conjunto das organizações partidárias, da sociedade civil como um todo. Precisam votar na gente e a gente precisa estar visível”, opina.
Em eventual mandato na Câmara, Malunguinho pretende concentrar seus esforços em projetos que visem erradicar a fome e a extrema pobreza. “Estamos nos deslocando desse processo pandêmico, mas não só, de um processo político-institucional que precarizou a vida das pessoas”, aponta.
“Precisamos pensar na fome, na população em situação de rua, e trabalhar para reverter esse quadro de um Brasil que voltou ao mapa da fome. A questão de acabar com a fome e de garantir a moradia é essencial, disso parte a questão da regulação fundiária, dos quilombos, renda, trabalho, que são pautas adjacentes a esse tema fundante”, acrescenta.
Ela faz parte do PSol, partido no qual “há espaço para este debate”, avalia. Recentemente, Guilherme Boulos, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e um dos principais nomes da sigla em São Paulo, anunciou sua desistência ao governo estadual e apoio a Fernando Haddad (PT).
Para Malunguinho, foi positivo esse posicionamento porque “existe um objetivo comum que é tirar Jair Bolsonaro do poder” e “expurgar valores bolsonaristas” em todas as esferas de poder.
“Essa avaliação da viabilidade eleitoral de algumas pessoas como Lula no governo federal e Fernando Haddad no governo do estado é essencial, é unir forças. As nossas diferenças permanecem, mas temos que estar presentes no processo dessa nova redemocratização. À medida em que a conquista da derrocada do Bolsonaro e do bolsonarismo estiver concretizada, nós estaremos prontos para fazer as críticas necessárias”, diz.
Trabalho na Alesp
Malunguinho vai terminar seu mandato na Alesp em dezembro, e conciliar as atividades parlamentares com a campanha para o Congresso. Ela se orgulha de ter conseguido “trazer para o debate público temas relevantes que não tinham protagonismo na política paulista e brasileira” e de haver destinado emendas e verbas para grupos vulneráveis como as populações quilombola e LGBTQIA+.
Ela conta que o desejo de ir para a esfera federal “é a resposta positiva dos movimentos sociais e das pessoas que são atendidas diretamente por esses feitos, das pessoas que são solidárias a esses temas” e esse “momento histórico muito importante no Brasil”.
Apesar disso, lamenta que viveu grande parte do mandato “construindo resistência”: “Passei muito tempo impedindo que as trans fossem barradas de praticar esportes, bastante tempo impedindo que pessoas LGBT fossem cerceadas de estarem na publicidade, muito tempo fiscalizando e agindo diretamente com as secretarias em relação à violência policial. A gente teve que passar muito tempo na defensiva”.
A deputada avalia que a Alesp é “improdutiva” e gasta muita energia para “atender a demandas” do governo estadual – e que há muitos impasses para aprovar projetos propostos pelos próprios parlamentares.
“Existe, inclusive, um acordo interno na Casa para aprovação de projetos de deputados e deputadas, porque eles nem conseguem tramitar nas comissões normalmente. Existe uma lista organizada, e a partir dessa lista a gente coloca os projetos e eles vão para aprovação. E mesmo quando eles passam na Alesp, receber um aval do governo é difícil”, explica.
Em relação à gestão de João Doria (PSDB), governo a quem fez oposição, a deputada diz que foi um período que priorizou o enxugamento da máquina pública “sem pensar quem essa máquina atende” e que “pecou muito neste aspecto em fechar fundações e autarquias importantes”. Além disso, criticou a relação do governo com o funcionalismo público.
“[O governo Doria] é uma continuidade de um projeto de um partido, que é o PSDB, e que vai deixar o estado com quase 50 mil pessoas morando na rua. Temos quase 50 mil pessoas morando na rua no maior estado do país, e que tem esse ano o maior orçamento de sua história. Então é uma conta que não fecha. Como o estado de São Paulo não tem o melhor quadro da educação, de saúde, de transporte do país? É só olhar a discrepância entre a riqueza que o estado produz e a qualidade de vida da população”, finalizou.