Entenda por que restaurantes em SP ignoram flexibilização e seguem fechados
Quase um mês após a reabertura em São Paulo, donos de estabelecimentos estão inseguros com o atendimento presencial a clientes
atualizado
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São Paulo – Um homem para, sem máscara, em frente a um restaurante. Ele se nega a pôr o item de proteção, sai contrariado e solta palavrões após ter atendimento recusado.
As imagens registradas pelas câmeras de segurança em uma noite de maio são apenas um dos motivos pelos quais Erik Araujo mantém as portas de seu estabelecimento fechadas para clientes na pandemia de Covid-19. Ele comanda o restaurante de comida mexicana La Buena Onda Fast Casual, localizado na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo.
Ele acredita que a capital paulista ainda vive o pior momento da pandemia. Aos 44 anos, Araujo sabe bem o que a Covid-19 pode causar, porque foi infectado e ficou 10 dias internado em um leito de unidade de terapia intensiva (UTI).
Além de ter sido um dos milhões de brasileiros com diagnóstico positivo para a doença, o empresário enxerga que a abertura neste momento carregaria os ônus de 100 mil mortes pela doença no estado e de eventuais perdas financeiras no remanejamento de uma operação reduzida.
“Eu não estou incentivando que as pessoas saiam de casa para consumir. Não quero expor as pessoas a um ambiente onde há risco de contágio. Se for para fazer de um jeito capenga, é melhor não fazer”, afirma.
Por que fechar as portas
Como parte das estratégias da fase de transição, restaurantes, lanchonetes e similares podem receber clientes presencialmente no estado de São Paulo desde 24 de abril. Na última atualização do Plano São Paulo, o governador João Doria (PSDB) ampliou o horário de consumo no local, das 6h às 21h, até 23 de maio.
Entretanto, a decisão de Araujo veio acompanhada de consequências negativas para o negócio. Com a possibilidade de atendimento no local há quase um mês, ele tem observado uma migração de clientes em busca de restaurantes que abrem as portas para a freguesia.
Esse movimento era menos intenso no fim de 2020, quando ele experimentou por duas semanas servir clientes no local. Hoje, o estabelecimento faz entregas das 12h às 21h30 e aceita retiradas até as 20h.
“Os clientes querem consumir, sair na rua, mas estão se enchendo de esperança vazia. Vejo que há pessoas que demonizam quem opta por não fazer atendimento presencial. Existe essa hostilidade, mas por outro lado não vejo clareza e sinceridade na interpretação dos dados de Covid-19.”
Logística trabalhosa
De acordo com dados do governo estadual, São Paulo tem mais de 3 milhões de casos confirmados da doença e 78,2% dos leitos de UTI estão ocupados. Mais de 21 mil pessoas estão internadas, sendo quase 10 mil em terapia intensiva.
Para Lucas Alves, 43 anos, um dos sócios da Santiago Padaria Artesanal, o retrato da pandemia no sistema de saúde é um dos motivos que impedem que os negócios voltem ao normal. No entanto, ele observa o equilíbrio das finanças no fim do mês.
Segundo o Plano São Paulo, as padarias são serviços essenciais e podem abrir ao público como supermercados e farmácias, por exemplo. Além de fornecer pães, o estabelecimento tem um salão onde servia refeições.
O fechamento para atendimento presencial por tempo indeterminado significa uma perda estimada em 30% do faturamento. Para recuperar essa quantidade, foi necessário incrementar o cardápio, com a elaboração de novos bolos, tortas e cestas de café da manhã, e investir pesado no delivery nas redondezas da Pompeia, também na zona oeste
Neste momento, as entregas correspondem a quase metade das vendas, algo impensável antes da pandemia. Tão logo suspendeu o atendimento presencial, em 17 de março de 2020, Alves teve de demitir funcionários. Hoje, são 22 empregados, que se dividem em dois turnos, contra 28 no começo do ano passado.
Para um pequeno negócio, apostar as fichas na abertura gradativa pode ser perigoso.
“Quando falamos em reabrir o salão e voltar com atendimento em mesas, significa contratar mais pessoas. Eu tenho o entendimento de que a pandemia não está sendo algo passageiro. Houve momentos mais rígidos, de flexibilização e de enrijecimento. Não sabemos como vai ser daqui pra frente,” acredita.
Busca por acordos
De acordo com dados da seccional de São Paulo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), 400 mil pessoas foram demitidas desde o início da pandemia no estado. O setor emprega 1,8 milhão de pessoas.
Em mais de um ano, 12 mil estabelecimentos fecharam as portas na capital, e 50 mil no estado. Para não ser mais uma nas estatísticas, Ieda de Matos, 49 anos, tem buscado negociar o aluguel da propriedade.
Mas não é sempre que a dona do salão onde funciona a Casa de Ieda, no bairro nobre de Pinheiros, na zona oeste, reduz a mensalidade. O aperto só não é maior porque o restaurante de comida da Chapada Diamantina (BA) é familiar, e quem toca são Ieda, o marido e o filho.
Para ela, é inviável abrir o salão, que comporta 16 pessoas, para receber apenas cinco fregueses. A saída, novamente, foi entrar com a cara e com a coragem no delivery, que hoje é o grande responsável por fechar as contas no azul. A pesquisa pelo melhor serviço de entrega é longa, pois há empresas que cobram taxas acima de 25%.
Desde então, Ieda tem trabalhado às sextas e aos sábados no restaurante, e dedica os outros dias da semana em outros projetos profissionais. Ao ir e voltar do trabalho, ela vê com frequência bares e restaurantes descumprirem horários de atendimento e promover aglomerações dentro e fora.
“Quem abre as portas tem que seguir os protocolos. Eu sei que a vontade de encher a casa e falar que o dia valeu a pena é grande. Mas você descumpre regras a custo de quê? Você arrisca, se arrisca e alguém pode morrer com Covid.”