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Entenda o sigilo de 100 anos que a PRF pôs em processos contra agentes

Corporação negou acesso a procedimentos administrativos já conclusos contra cinco agentes que também participaram do caso Genivaldo

atualizado

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Policiais rodoviarios federais fechando porta de viatura com homem dentro. Há gás saindo do veiculo - Metrópoles
1 de 1 Policiais rodoviarios federais fechando porta de viatura com homem dentro. Há gás saindo do veiculo - Metrópoles - Foto: Reprodução

A Polícia Rodoviária Federal (PRF) engana ao dizer, em nota, que não houve imposição de sigilo de até 100 anos sobre o teor de processos administrativos conclusos que envolvem os agentes que participaram da abordagem que resultou na morte de Genivaldo de Jesus Santos, 38 anos, em Umbaúba, Sergipe.

“O aludido processo foi respondido pela plataforma e-SIC e não houve nenhuma imposição de 100 anos de sigilo ao caso em comento. Informações pessoais de servidores ou de procedimentos administrativos disciplinares possuem regulamentação dentro da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/11) que veda a divulgação destas informações, configurando, inclusive, conduta ilícita a divulgação de informação pessoal”, alegou a corporação, via assessoria.

Porém, a mesma Lei de Acesso à Informação (LAI) estabelece, no artigo 31, que informações consideradas “pessoais, relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem” terão seu acesso restrito pelo prazo máximo de 100 anos.

“Mesmo não tendo mencionado diretamente o sigilo [na resposta via LAI], a PRF qualifica os processos como informações pessoais de acordo com os trechos da LAI que tratam desse tipo de dado. Portanto, na prática, submeteu os processos à restrição de acesso determinada no artigo 31 da LAI, cujo prazo máximo é de 100 anos”, explica a gerente de projetos da Transparência Brasil, Marina Atoji.

“Ao mesmo tempo, o fez de forma errada: o próprio artigo 31 determina que o acesso a informações pessoais é autorizado quando elas forem necessárias à defesa de direitos humanos ou à proteção do interesse público”, acrescenta a especialista.

O Metrópoles pediu, via LAI, acesso a todos os processos administrativos, já conclusos, contra os servidores Clenilson José dos Santos, Paulo Rodolpho Lima Nascimento, Adeilton dos Santos Nunes, William de Barros Noia e Kleber Nascimento Freitas. Eles são os agentes que assinam o boletim de ocorrência sobre a abordagem de Genivaldo, que morreu asfixiado em uma espécie de “câmara de gás” improvisada pelos policiais no porta-malas de uma viatura.

A demanda enviada via LAI é clara ao tratar de procedimentos passados e que, portanto, já foram finalizados. Ou seja, a reportagem quer saber o inteiro teor de processos administrativos em que os agentes foram alvos.

“A negativa da PRF pode ainda ser vista de forma ampla como uma violação ao art. 21, parágrafo único da LAI, segundo o qual informações ou documentos que tratem de violações de direitos humanos praticadas por agentes públicos não podem ser colocadas em sigilo. Ainda que as informações solicitadas sejam anteriores à violação de direitos humanos que os policiais cometeram contra Genivaldo de Jesus, elas servem para verificar se há um padrão na atuação deles que indique a escalada ou a recorrência dessas ações. São fundamentais para a apuração completa da violação”, acrescenta Atoji, ao Metrópoles.

Repercussão

Ministério Público Federal (MPF), parlamentares e outras entidades ligadas à transparência também se manifestaram sobre a negativa de acesso da PRF.

O MPF abriu procedimento para investigar a classificação como “informação pessoal” imposta aos processos administrativos disciplinares contra os agentes da PRF. A apuração vai analisar se a medida tomada pela corporação pode estar sendo usada como obstáculo para fornecimento de informações de interesse público, contrariando a LAI e a Constituição Federal.

No despacho, o coordenador do Controle Externo da Atividade Policial em Sergipe, o procurador da República Flávio Matias, destacou que a LAI define como informação pessoal “aquela relacionada à pessoa natural identificada ou identificável”. Já a Controladoria Geral da União (CGU), em manual sobre a aplicação da lei, esclarece que “não é toda e qualquer informação pessoal que está sob proteção. As informações pessoais que devem ser protegidas são aquelas que se referem à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem.”

Para o secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, o governo federal está na contramão do que deseja a sociedade “ao afrontar – e até de forma irônica – a Lei de Acesso à Informação”. Em abril, o presidente Jair Bolsonaro (PL) disse, numa rede social, que serão conhecidos, “em 100 anos”, os motivos que levam o governo a impor sigilo sobre “assuntos polêmicos”.

“O sigilo passou a ser a regra quando o governo quer esconder algo da sociedade. O sigilo de 100 anos é um acinte, um escárnio”, disse Castello Branco.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e os deputados federais Joenia Wapichana (Rede-RR) e Túlio Gadêlha (Rede-PE) enviaram uma representação ao procurador-geral da República, Augusto Aras, para investigar o que chamaram de “farra dos sigilos”.

“É sabido que a censura e a repressão aos meios de imprensa – aqui manifestadas na negativa do devido acesso a informações que deveriam ser públicas – são instrumentos de preferência dos governos autoritários. Por meio do cerceamento de ideias e da limitação do dissenso, os autocratas pretendem monopolizar o mercado de ideias e fazer prevalecer a noção de que seu governo é imune a críticas”, afirmaram os parlamentares.

Contestação

No âmbito administrativo, o Metrópoles recorreu da resposta dada pela PRF nessa quarta-feira (22/6).

Isso porque a Controladoria-Geral da União consolidou o entendimento de que qualquer cidadão pode consultar os processos administrativos disciplinares, caso tenham sido concluídos. O enunciado que define essa conclusão foi publicado no Diário Oficial da União (DOU), em junho de 2016.

A PRF tem ciência desse entendimento. No ano passado, a reportagem solicitou à corporação acesso aos procedimentos administrativos envolvendo o diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques. Em primeiro momento, o órgão forneceu apenas a quantidade de procedimentos e os respectivos números, mas também alegou conter informações pessoais e impôs sigilo de 100 anos sobre o conteúdo.

Nesse caso, o Metrópoles contestou até a penúltima instância, e a CGU determinou a divulgação dos procedimentos administrativos concluídos, “permitindo-se o tarjamento apenas de informações estritamente privadas ou pessoas sensíveis”.

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