Entenda investigação da PF que acusa Bolsonaro de tentativa de golpe
Investigação da PF indica trama golpista liderada por Bolsonaro, com ataques às urnas, ameaças a autoridades e articulações secretas
atualizado
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A Polícia Federal (PF) indiciou, na última quinta-feira (23/11), o ex-presidente Jair Bolsonaro e outras 36 pessoas por envolvimento em plano de golpe de Estado.
A acusação inclui crimes de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, golpe e organização criminosa. Entre os indiciados, estão ex-ministros, militares e ex-assessores presidenciais.
O Metrópoles separou os principais pontos da investigação para esclarecer os eventos e as estratégias que sustentaram a suposta trama golpista.
Plano para assassinar autoridades
A apuração da PF revelou o plano denominado Punhal Verde Amarelo, que previa o assassinato de figuras centrais do governo e da Justiça, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. A PF aponta que Bolsonaro sabia da existência do plano.
O documento detalhando os assassinatos foi impresso no Palácio do Planalto pelo general Mário Fernandes, então número dois da Secretaria-Geral da Presidência. Fernandes teria feito seis cópias do material em dezembro de 2023, supostamente para distribuição durante uma reunião.
No dia seguinte, registros mostram que ele esteve no Palácio da Alvorada, onde Bolsonaro estava recluso após perder as eleições de 2022.
Os envolvidos no plano, conhecidos como “kids pretos”, utilizavam técnicas militares para organizar as ações. Esse grupo era composto por integrantes das Forças Especiais do Exército e articulava medidas para atingir seus objetivos em novembro e dezembro de 2022.
Grupos secretos para coordenar o golpe
A investigação revelou a criação de grupos de mensagens no aplicativo Signal, conhecido por apagar automaticamente as conversas conforme período determinado pelo usuário, usados por militares para tratar do suposto plano golpista.
Um dos grupos chamava-se Copa 2022. Seus integrantes adotaram codinomes de países (como Alemanha, Japão e Gana) e apelidos para seus alvos: Lula era “Jeca”, Alckmin “Joca” e Moraes “professora”.
Segundo a PF, os investigados habilitaram linhas telefônicas em CPFs de terceiros para dificultar a identificação. Essa prática, descrita como uma técnica de “anonimização”, é comum em operações militares sigilosas.
A diligência descobriu que, no dia 15 de dezembro de 2022, um veículo oficial do Exército foi usado para deslocamento entre Brasília e Goiânia. A data coincide com a suposta execução de uma etapa do plano que incluía a prisão ou execução de Moraes.
Minuta golpista e as reuniões com comandantes militares
Um dos principais elementos do inquérito é a chamada minuta golpista, apresentada por Bolsonaro aos comandantes das Forças Armadas logo após as eleições de 2022.
O documento sugeria instaurar estado de defesa ou de sítio e iniciar operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para manter Bolsonaro no poder.
De acordo com Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e delator do caso, o ex-presidente discutiu o conteúdo do documento com os chefes das três forças militares. Apenas o então comandante da Marinha, Almir Garnier, teria apoiado a proposta.
Os outros dois comandantes, Marco Antônio Freire Gomes (Exército) e Carlos Almeida Baptista Júnior (Aeronáutica), rejeitaram a ideia. Freire Gomes, inclusive, ameaçou prender Bolsonaro caso ele levasse o plano adiante.
Em 9 de dezembro de 2022, Cid enviou mensagem ao general Freire Gomes relatando que Bolsonaro tinha revisado e “enxugado” o texto do decreto para torná-lo mais direto.
“O que que ele fez hoje de manhã? Ele enxugou o decreto, né? Aqueles considerados que o senhor viu e enxugou o decreto, fez um decreto muito mais resumido”, disse o então braço direito de Bolsonaro, Mauro Cid.
Reunião no Palácio do Planalto
A PF também destacou reunião realizada em julho de 2022, no Palácio do Planalto, em que Bolsonaro e membros de seu governo discutiram abertamente a possibilidade de intervenção antes das eleições.
Na ocasião, o então chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, declarou que a “mesa” deveria ser virada antes do pleito.
O general Mário Fernandes, também presente, fez referência ao golpe militar de 1964 e cobrou ações preventivas caso o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não atendesse às demandas do governo sobre o processo eleitoral.
Ataques às urnas eletrônicas e a construção da narrativa de fraude
A investigação aponta que a narrativa de suposta vulnerabilidade das urnas eletrônicas foi criada desde 2019 a fim de pavimentar o caminho para a contestação dos resultados de 2022. Esse discurso, sustentado por Bolsonaro e seus aliados, visava desacreditar o sistema eleitoral e justificar eventuais ações golpistas.
Segundo a PF, os investigados utilizaram estratégias digitais para espalhar desinformação de forma coordenada, o que foi classificado como “milícia digital”.
Entre as alegações disseminadas, estavam suspeitas de fraude nas eleições de 2018 e 2022, criando a falsa percepção de que Bolsonaro foi prejudicado.
Essa estratégia, conforme a PF, também foi utilizada como base para os atos que culminaram na invasão da Praça dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023.
Plano de fuga com armas e técnicas militares
A Polícia Federal identificou plano para “evasão e fuga” do então presidente Jair Bolsonaro (PL) do país. O esquema seria colocado em prática caso ocorresse eventual intervenção do STF no Executivo ou a cassação da chapa de Bolsonaro nas eleições de 2022.
O esquema tinha técnicas militares e previa o uso de armamentos e munições para pronto emprego, que estariam em um cofre.
O plano de fuga foi encontrado no notebook do ex-ajudante de ordens da Presidência da República, tenente-coronel Mauro Cid, considerado o braço direito de Bolsonaro. O documento, em formato de PowerPoint, foi criado em 22 de março de 2021.
O esquema, segundo a PF, reforça o uso de técnicas de forças especiais do Exército no interesse da organização criminosa.
“Apesar de não empregado no ano de 2021, o plano de fuga foi adaptado e utilizado no fim do ano de 2022, quando a organização criminosa não obteve êxito na consumação do golpe de Estado. Conforme será descrito nos próximos tópicos, Jair Bolsonaro, após não conseguir o apoio das Forças Armadas para consumar a ruptura institucional, saiu do país, para evitar uma possível prisão e aguardar o desfecho dos atos golpistas do dia 8 de janeiro de 2023 (festa da Selma)”, destaca o relatório da PF.
Quem são os indiciados pela PF
A Polícia Federal indiciou 37 pessoas pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa. Todos negam envolvimento na suposta trama golpista.
Veja quem são os indiciados:
- Alexandre Castilho Bitencourt Da Silva
- Alexandre Rodrigues Ramagem
- Almir Garnier Santos
- Amauri Feres Saad
- Anderson Gustavo Torres
- Anderson Lima De Moura
- Angelo Martins Denicoli
- Augusto Heleno Ribeiro Pereira
- Bernardo Romao Correa Netto
- Carlos Cesar Moretzsohn Rocha
- Carlos Giovani Delevati Pasini
- Cleverson Ney Magalhães
- Estevam Cals Theophilo Gaspar De Oliveira
- Fabrício Moreira De Bastos
- Filipe Garcia Martins
- Fernando Cerimedo
- Giancarlo Gomes Rodrigues
- Guilherme Marques De Almeida
- Hélio Ferreira Lima
- Jair Messias Bolsonaro
- José Eduardo De Oliveira E Silva
- Laércio Vergilio
- Marcelo Bormevet
- Marcelo Costa Câmara
- Mario Fernandes
- Mauro Cesar Barbosa Cid
- Nilton Diniz Rodrigues
- Paulo Renato De Oliveira Figueiredo Filho
- Paulo Sérgio Nogueira De Oliveira
- Rafael Martins De Oliveira
- Ronald Ferreira De Araujo Junior
- Sergio Ricardo Cavalieri De Medeiros
- Tércio Arnaud Tomaz
- Valdemar Costa Neto
- Walter Souza Braga Netto
- Wladimir Matos Soares