Empresas de servidores receberam R$ 157 milhões do governo federal
São 76 companhias que venderam bens e serviços desde 2014, das quais 15 fizeram negócios com os órgãos onde o funcionário era lotado
atualizado
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Empresas que contam com servidores públicos federais entre seus sócios venderam R$ 157 milhões em bens e serviços para o governo federal desde 2014. Ao todo, são 76, das quais 15 fecharam contratos com o local onde o funcionário público trabalhava.
Do total, 25 são controladas por pessoas que trabalham em universidades federais. Outras 10 são de servidores do Ministério da Saúde e seis da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh). Além disso, uma descoberta curiosa é de que, entre as 76 companhias, duas estão proibidas de participar de licitações. Uma tem como sócio um servidor do Ministério da Economia; a outra, uma pessoa que trabalha na Polícia Rodoviária Federal.
Para realizar a investigação, o (M)Dados, núcleo de jornalismo de dados do Metrópoles, cruzou a lista de sócios de empresas da Receita Federal disponibilizada pelo Brasil.Io, iniciativa que facilita o acesso a informações públicas, com o cadastro de servidores federais.
Foram encontradas quase 100 mil empresas com funcionários civis do governo federal entre os sócios. Cada CNPJ nessa lista foi então consultado na API de compras governamentais, que guarda os dados de todas as companhias que tiveram contratos com o Executivo federal.
Por fim, o órgão onde o servidor trabalha foi comparado com os locais que adquiriram bens ou serviços com a empresa. O objetivo era encontrar situações onde a pessoa está na mesma estrutura organizacional do local que contratou a empresa. Ao todo, 15 companhias estão nessa situação.
Um exemplo é a Perfil Consultoria Incorporação e Serviços Ltda. A empresa tem como sócio um servidor do Ministério da Saúde lotado no Rio de Janeiro. Entre os contratos firmados pela empresa, estão os realizados com a Fundação Oswaldo Cruz, que está dentro da estrutura da pasta e também fica no estado. A Perfil Consultoria está inapta desde 2018. A reportagem tentou entrar em contato com os donos, mas não conseguiu.
Em outro caso, a Diametral Representações, Comércio e Serviços, de um servidor da Universidade Federal do Espírito Santo, recebeu recursos da instituição de ensino superior. Representantes da Diametral não responderam às tentativas de contato da reportagem até o momento.
Dentre todas as empresas, a que mais recebeu é a Construtora LDN, que tem na sociedade uma servidora da Advocacia-Geral da União. Foram R$ 81,6 milhões em contrato com o governo federal.
O último pagamento foi feito em maio deste ano. Ele teve o valor de R$ 2,1 milhões e veio da Ebserh. A LDN informou que “em 2018, o quadro societário da empresa sofreu alteração contratual em virtude do falecimento de seu sócio fundador, tendo sido incorporado à sociedade por sucessão hereditária os filhos e esposa do falecido sócio fundador, sendo seu sócio administrador um engenheiro que lá já atuava antes do falecimento”.
A servidora que faz parte do quadro social da companhia herdou 10% da empresa. Ela não exerce, entretanto, nenhuma função na construtora, seja administrativa ou de gestão. Sobre o contrato com a Ebserh, a construtora informou que ele foi firmado antes da entrada da servidora pública no quadro societário da empresa.
“Os contratos firmados com a administração pública sequer estão relacionados ao Órgão em que a servidora exerce as suas funções. A servidora não atua e nunca atuou em seu órgão com compras ou licitações, bem como não existe qualquer possibilidade de existência de informação privilegiada correlacionada a qualquer atuação da empresa ou mesmo situação que poderia influir no desempenho da função pública”, prossegue o texto.
A situação não é exclusiva dos servidores civis. Como revelou o Metrópoles em outra matéria, empresas que contam com militares da ativa na sociedade receberam R$ 2,6 milhões de unidades onde o servidor das Forças Armadas trabalhava.
Não é vedado ao servidor público participar da sociedade de uma empresa. Entretanto, para fazê-lo, uma portaria de 2013 estabeleceu que deve ser realizada uma consulta prévia sobre a situação do servidor e pedido de autorização para o exercício de atividade privada.
Além disso, caso seja comprovado que o servidor participa da administração de uma empresa privada, ele pode ser expulso do serviço público federal. Desde 2003, isso aconteceu apenas 86 vezes. Procurados, nem o Ministério da Economia nem a Controladoria-Geral da União haviam se pronunciado sobre a situação até a última edição desta reportagem.