Empresário é condenado por morte de esposa com depressão em incêndio
Herdeira milionária morreu em incêndio porque foi abandonada por marido, diz Justiça. Briga judicial está se encerrando após mais de 5 anos
atualizado
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A história de uma morte trágica envolvendo briga de família e um incêndio misterioso está chegando ao fim após mais de cinco anos. É o caso da morte da empresária Liliane Chieppe, herdeira do Grupo Águia Branca, do Espírito Santo, um dos maiores conglomerados de transporte e logística do Brasil.
Liliane morreu em um incêndio em seu apartamento no Jardins, bairro nobre de São Paulo (SP), em 30 de novembro de 2017. Depois de uma longa batalha judicial, o viúvo da vítima, o empresário Cláudio Pitanga, de 59 anos, foi condenado por abandono de incapaz.
Segundo a sentença do juiz Fábio Munhoz, Cláudio abandonou por diversas vezes a então esposa Liliane, que estava com uma depressão severa, o que causou a morte dela. A empresária não conseguiu se defender do incêndio dentro do próprio quarto, onde estava trancada e sozinha.
A sentença contra Cláudio Pitanga é de agosto de 2022, mas ainda não tinha sido divulgada. O processo corre em sigilo. O empresário foi condenado a uma pena de 5 anos e 4 meses de reclusão, com começo de cumprimento em regime semiaberto.
Briga de família
Para entender a história é preciso voltar no tempo. Liliane e Cláudio eram amigos de infância e começaram um relacionamento em 2011, no Espírito Santo. No entanto, familiares e os três filhos da empresária, de um casamento anterior, nunca aceitaram bem o casal.
A divergência com a família Chieppe era tanta, que Liliane e Cláudio se casaram no civil “escondidos” em 2015. As testemunhas foram duas funcionárias do casal.
Um dos motivos para a briga da família era que os parentes de Liliane acusavam Cláudio de se aproveitar da boa condição financeira da mulher.
Em uma entrevista para a revista Veja São Paulo em junho de 2018, Cláudio chegou a falar que recebia R$ 12 mil da esposa por mês para cuidar de coisas particulares dela. Ele afirmou na época que tinha fechado a própria empresa por pedido de Liliane. “Precisava ter meu dinheirinho”, justificou na ocasião.
Depressão profunda
Liliane foi diagnosticada com bipolaridade e depressão. Ela chegou a ser internada, mas se recuperou. No entanto, durante uma viagem do casal, de quatro meses, para a Grécia, ela começou a se sentir muito mal e voltou às pressas.
Um dos psiquiatras relatou no processo que Liliane alternava quadros de intensa depressão com euforia. Por causa disso, ela fazia tratamento medicamentoso e chegou a passar por sessões psiquiátricas de eletrochoques.
Logo após o retorno da Grécia, a empresária ficou internada no hospital Sírio Libanês até o final de dezembro de 2016. De acordo com a sentença, com o fim da internação, Cláudio foi orientado pelos médicos a administrar os medicamentos em Liliane e providenciar que ela tivesse algum acompanhante 24 horas por dia.
Entre as motivações para esse cuidado estavam o risco de suicídio e quedas.
Abandono
Essa falta de algum profissional cuidando da empresária doente durante 24 horas foi o principal fator que pesou na condenação.
No momento do incêndio, Cláudio tinha saído para ir à academia e depois para um supermercado. A mulher ficou trancada no quarto, onde o fogo começou. Assistente de acusação, o advogado Daniel Burg conseguiu provar que a mulher já tinha ficado sozinha em outros dias.
Duas empregadas da casa conseguiram abrir a porta com uma chave extra, mas não conseguiram tirar Liliane do quarto até a chegada dos bombeiros, pois havia muita fumaça no local. Quando foi avisado e chegou ao apartamento, Cláudio entrou em pânico, inalou muita fumaça e precisou ser internado.
No texto da sentença, o juiz Fábio Munhoz lembrou que o caso não se tratava de família sem recursos financeiros, que não pudesse arcar financeiramente com a contratação de uma funcionária para ser acompanhante de Liliane.
“Não se trata aqui de dizer que o réu deveria estar ao seu lado 24 horas por dia, mas deveria deixar alguém devidamente ciente do quadro depressivo da vítima e responsável por ela enquanto estivesse fora de casa”, escreveu o magistrado na decisão.
Prostituição e militância
Durante a tramitação do processo na Justiça, familiares de Liliane e Cláudio trocaram acusações. A defesa da família da vítima apresentou prints em que o empresário se oferecia como garoto de programa, disponibilizando o próprio apartamento onde houve o incêndio para realizar os supostos serviços sexuais.
Na época, Cláudio disse que não era garoto de programa de fato e nunca recebeu clientes no apartamento. Ele disse que fez o cadastro em um site de prostituição para provocar a família Chieppe.
Atualmente, o empresário, declaradamente bolsonarista, é um militante a favor de uma intervenção militar no Brasil, contra o resultado da última eleição para a presidência, da qual Luiz Inácio Lula da Silva (PT) saiu vencedor.
No Twitter, ele possui mais de 40 mil seguidores e se define da seguinte maneira: “Empresário, poliglota, patriota, católico, viúvo, pai de dois lindos filhos. Na luta pela nossa liberdade e pelo Brasil livre do comunismo”.
Causa do fogo
De acordo com laudos no processo descritos na sentença, Leiliane morreu por causa de queimaduras de 2º e 3º grau, além de lesão inalatória pela aspiração de fumaça.
Inicialmente, os empregados cogitaram que a causa do incêndio foi um ar-condicionado consertado recentemente. No entanto, a perícia descartou a possibilidade de causa elétrica.
A investigação confirmou que o incêndio começou na cabeceira da cama e se espalhou rapidamente pelo colchão. Um vidro de álcool vazio foi encontrado no banheiro do quarto, o que pode sugerir que o líquido foi usado para espalhar as chamas.
Entretanto, a forma exata de como o fogo começou não foi identificada. A vítima tinha tomado um coquetel de medicamentos psicotrópicos, o que deixou ela vulnerável para reagir ao fogo.
Outro lado
O Metrópoles entrou em contato com Cláudio e com um dos advogados dele, mas não obteve resposta até a última atualização da matéria.
A defesa do empresário entrou com um recurso contra a sentença, mas que estaria fora do prazo. Os advogados de Cláudio entraram com um novo tipo de recurso que ainda não foi julgado.
Em entrevistas que deu na imprensa, na época da morte de Liliane, Cláudio declarou que apesar de brigas, tinha uma boa relação com a esposa e que sentiu muito a morte dela. Ele sempre negou as acusações da família da vítima e alegava estar sendo perseguido pelos filhos de Liliane.