Empresa acusada de dar golpes gastou R$ 569 mil em anúncios
Metrópoles identificou mais de 25 perfis falsos criados por uma empresa em redes sociais. Anúncios prometem grandes lucros em poucos cliques
atualizado
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O anúncio garante: não é golpe, esquema de pirâmide ou pegadinha. Porém, centenas de compradores dizem o contrário. Uma empresa chamada Clube da Renda oferece aplicativo que promete grandes lucros com apenas alguns cliques. No entanto, nas redes sociais e em sites de avaliação, dezenas de reclamações são publicadas diariamente.
Nos posts, os internautas reclamam que pagaram pelo serviço, mas não tiveram o retorno financeiro prometido. O Metrópoles apurou que essa empresa tem usado páginas falsas para fazer anúncios e enganar consumidores na internet.
Em um levantamento feito com base nos dados da Biblioteca de Anúncios da Meta, foram identificadas mais de 25 contas que, nos últimos três meses, publicaram 1.445 anúncios no Facebook e Instagram. Somado, o valor pago pelo impulsionamento chega a R$ 569 mil. Também foram encontrados anúncios no YouTube e na página de busca do Google.
As contas adotam um padrão semelhante: a maior parte foi criada há cerca de três meses, usam nomes comuns, fotos genéricas — algumas até se repetem — e não há publicações. Um detalhe que chama atenção são os valores envolvidos. Uma das páginas investiu, sozinha, R$ 126 mil em 290 anúncios desde dezembro do ano passado.
Para se ter uma ideia do alcance, mesmo o perfil que veiculou apenas um anúncio, teve entre 60 e 70 mil impressões (número de vezes em que o post aparece em uma tela) durante os 20 dias em que ficou no ar. Os anúncios com mais investimento chegaram a atingir mais de 1 milhão de impressões.
As publicações exibem depoimentos de pessoas que compraram celulares de última geração, carros de luxo e viagens apenas com o dinheiro ganho no aplicativo. Porém, a realidade é muito diferente.
“Não tenho o costume de comprar essas coisas, não sou muito de acreditar. Acabei sendo convencida pela propaganda que vi. Não que eu pensava que iria ganhar muito dinheiro, como falam lá, mas acreditei que poderia conseguir lucrar alguma coisinha”, conta a ilustradora Rebeca (nome fictício), 25 anos, uma das pessoas que caiu no golpe.
Ela conheceu a empresa por meio de um anúncio no YouTube. A mulher, que sobrevive de bicos e da venda de ilustrações, viu uma oportunidade de fazer uma renda extra com os ganhos prometidos no aplicativo. Entretanto, os R$ 250 investidos não tiveram retorno.
“Eu fiquei desesperada quando vi a quantidade de gente reclamando. Foi aí que percebi que comprei um negócio que não dá garantia nenhuma”, lembra ela.
Rebeca também reclama da falta de assistência da empresa, que oferece reembolso em até sete dias, caso o cliente não esteja satisfeito. No entanto, ao solicitar o dinheiro de volta, a mulher não obteve resposta.
Só foi possível conseguir um retorno após acionar a operadora de cartão de crédito. “Eles publicam que dão todo o suporte, toda a assistência, mas é tudo mentira. Você não tem contato com ninguém. Não tem atendimento pelo WhatsApp, Telegram, Facebook, grupo, não tem nada. Só existe um e-mail para entrar em contato com eles.”
O massoterapeuta Robson Eduardo, de 33 anos, também enfrentou uma saga para reaver o dinheiro que investiu no aplicativo. Após dois dias de teste, sem retorno, decidiu pedir o cancelamento. Porém, só recebeu uma resposta após duas semanas. A empresa perguntava sobre o motivo do cancelamento.
“Nessa altura da situação eu já estava ficando irritado. Aí comecei a mandar muitos e-mails seguidos com títulos de denúncia da plataforma ou ação judicial. Fiz uma reclamação no Reclame Aqui (site de avaliação de produtos) e ameacei expor nas redes sociais como golpe”, explica Robson.
“Continuei enviando em média 40 a 50 e-mails por dia. Tudo igual, para lotar a caixa de e-mail deles. Feito isso, responderam a reclamação no site e uns dias após fizeram o estorno da minha compra.” Rebeca e Robson parecem ser exceção em meio a centenas de pessoas que não recebem resposta alguma da empresa.
Como funciona?
O Clube da Renda funciona como uma sala que aponta para a movimentação do mercado financeiro. Essas salas geralmente são voltadas para pessoas que atuam em operações binárias, baseadas em uma espécie de jogo de azar.
O objetivo é acertar se o preço de um ativo — entre ações internacionais, moedas, índices da Bolsa de Valores — vai cair ou subir. Nesse caso, a empresa sinaliza qual será o movimento dos ativos, aumentando a possibilidade de acerto. A prática não é regulamentada no Brasil, apesar de existirem outros aplicativos disponíveis no mercado.
Todos esses conceitos não ficam claros para quem está adquirindo o produto. No site da empresa há uma área de perguntas frequentes, na qual se afirma que “não se pode explicar o que é o Clube da Renda, você precisa ver por si próprio”, em seguida, direciona para um vídeo no topo da página.
No entanto, a peça, de 35 minutos, também não explica sobre o que se trata a empresa. Apenas discorre acerca de uma tecnologia baseada em inteligência artificial que vai “mudar o mundo”.
Ao tentar localizar os responsáveis pela empresa, a reportagem descobriu que a página da web não possui registro no Brasil. Além disso, as transações financeiras entre os clientes e a companhia são feitas por meio de uma plataforma de pagamento, o que dificulta o rastreio.
O Metrópoles entrou em contato com a Clube da Renda, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto.
Responsabilidade das plataformas
De acordo com Wanderson Castilho, perito em crimes digitais e CEO da empresa Enetsec, o empreendimento pode ser considerado uma pirâmide financeira, “pois para se manter sempre precisará de mais pessoas forma exponencial.” Segundo o especialista, é necessário entender que as redes sociais não são uma “terra sem lei”. “[O Facebook] não é um espaço absolutamente livre, visto que existem as diretrizes da comunidade e regras a serem seguidas”.
“A rede social tem o dever de derrubar as publicações se a ação ferir as diretrizes e se aquilo se tratar de um golpe”, afirma Castilho. O perito lembrou ainda que qualquer cidadão e consumidor no Brasil está respaldado pelo Código Penal, Civil e pelo Código de Defesa do Consumidor.
Segundo ele, pessoas que caírem em golpes na internet devem coletar os comprovantes de transferências financeiras realizadas e documentar (em ata notarial) a troca de mensagens e promessas realizadas pelo suposto golpista.
“Além disso, também devem listar as redes sociais, sites e páginas de internet dos golpistas e levar esses documentos quando for registrar o boletim de ocorrência na polícia”, pontuou Wanderson.
Respostas
Questionado, o Google afirmou que tem “políticas robustas para prevenir anúncios de produtos ou serviços que induzam comportamento desonesto em nossas plataformas de publicidade.”
Além disso, a empresa informou que age imediatamente quando identifica que os anúncios violam suas políticas, porém não explicou como é feito o monitoramento. Após o contato com a reportagem, os anúncios foram retirados do ar.
Em nota, a Meta informou ao Metrópoles que os anúncios e páginas apontados pela reportagem foram removidos.
“Os Padrões de Comunidade e Políticas de Publicidade do Facebook proíbem o uso das nossas plataformas para facilitar ou organizar atividades que causem danos financeiros a pessoas ou negócios”, afirmou o porta-voz da Meta.
“Usamos uma combinação de denúncias da nossa comunidade, tecnologia e revisão humana para identificar conteúdos violadores e aplicar nossas políticas”, concluiu.
Ao buscar por palavras-chave na Biblioteca de Anúncios, ainda é possível encontrar novas publicações ativas.